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Paulo Freire e as armadilhas da hegemonia
Para dar cabo à transformação de Freire num consenso, a hegemonia opera em sua obra uma fragmentação, descontextualizando-a historicamente. Nessa operação, as “primeiras palavras” são afastadas, assim como a escolha de Freire pelos oprimidos é silenciada.
Roberto Efrem Filho
Está lá, nas “primeiras palavras”, escritas no outono de 1968, em Santiago, no Chile, durante o exílio do Regime Militar: “aos esfarrapados do mundo e aos que neles se descobrem e, assim descobrindo-se, com eles sofrem, mas, sobretudo, com eles lutam”. Está lá, desde o início da Pedagogia do Oprimido – seguramente, uma das mais importantes obras da esquerda brasileira – a principal escolha de Freire, aquela pela libertação dos homens oprimidos e das mulheres oprimidas. Está lá, mas porque vem sendo sistemicamente esquecida, essa escolha é o que pretendo com este texto relembrar.
A feitura da hegemonia se dá pela formação de consensos. Aquilo que é tido como “consenso” está aquém do debate. Considera-se pressuposto. Nele não se toca, ele não é discutível. Tal consenso não é um problema que demanda superação, não incita dúvidas. Provavelmente ele sequer é notado. Desse modo, os consensos hegemônicos guardam intimidade com o silêncio, ignoram as diferenças, mascaram a realidade de conflitos.
Sou parte de uma geração que conheceu (ou desconheceu) Paulo Freire como um consenso, aludido seja pelo Movimento dos(as) Trabalhadores(as) Rurais Sem-Terra, seja por agentes governamentais de direita ou por projetos financiados por organizações ligadas ao capital internacional. Lembro-me bem do estranhamento que me causava, no início de minha militância como educador popular, essa multiplicidade de sujeitos, por vezes historicamente antagônicos, citando Freire e sua pedagogia. Afinal, como poderia Paulo Freire, um socialista, ser utilizado como respaldo argumentativo para interesses tão diversos?
Dá-se que longe de transformá-lo num terrível inimigo – o que faz com Marx, por exemplo – a hegemonia confere a Freire atenção e relevância. Paulo Freire é respeitado como “um dos maiores educadores da história” ou “o autor de um rápido e eficaz método de alfabetização”. Cita-se Freire como alguém acima de quaisquer interesses ou divergências, numa tentativa, via de regra bem-sucedida, de cooptação do discurso freireano. Daí ser compreensível que a Fundação Ford e o Banco Mundial financiem projetos sociais que se utilizam da linguagem exercida por Freire. Inquestionável, ele serve de argumento de autoridade. Quem quer que cite Paulo Freire, parece legitimado a intervir no campo da educação.
Para dar cabo à transformação de Freire num consenso, a hegemonia opera em sua obra uma fragmentação, descontextualizando-a historicamente. Nessa operação, as “primeiras palavras” são afastadas, assim como a escolha de Freire pelos oprimidos é silenciada. A leitura de Freire conduzida pela hegemonia não revela que o educador faz referências a Marx, Lukács ou Fromm. Não trata da defesa freireana da práxis libertadora (um conceito evidentemente marxista), do “caráter eminentemente pedagógico da revolução”, ou da “dialogicidade” baseada no materialismo histórico-dialético.
Paulo Freire encontra-se então como um bem simbólico sob conflito. De fato, ocorre como se o MST citasse um Freire diferente daquele citado nos projetos financiados pela Fundação Ford. Vence o conflito aquele sujeito que consegue deter o poder de dizer o que disse Paulo Freire. A força hegemônica (ou a hegemonia) promove então a negação do conflito e, reciprocamente, a criação do consenso. No final, além de o Freire difundido no mundo ser o Freire da Fundação Ford, o Freire do MST é silenciado, esquecido.
Esse esquecimento é reproduzido inclusive por alguns setores da esquerda, fenômeno entendível através da aplicação do conceito de “hospedagem” do próprio Paulo Freire. Segundo Freire, os homens oprimidos e as mulheres oprimidas hospedam o sujeito opressor em si, o que não quer dizer – é bom salientar – que não existam opressores fora deles também. A identificação desses setores da esquerda com o “maior educador de todos os tempos da última semana” – feito dogma – impede seu reconhecimento com o educador revolucionário socialista.
Eu ser parte de uma geração que conheceu (ou desconheceu) Paulo Freire como um consenso é um fato umbilicalmente ligado àquele de eu ser parte de uma geração que leu Freire sem ler Marx, dada toda uma tendência, hegemonicamente construída, a considerar o marxismo algo ultrapassado, a rejeitá-lo por conta do regime soviético e a vincular a queda do muro de Berlim à queda do marxismo como um todo.
Nas comemorações dos 40 anos da Pedagogia do Oprimido – livro que talvez mais deixe clara a escolha feita pelo próprio Paulo Freire pelo “Freire do MST” em detrimento do “Freire da Fundação Ford” – enquanto a esquerda se reorganiza na América Latina e no mundo em nome da libertação e contra a opressão, faz-se momento de a minha geração e de todas as outras que hajam incorrido no mesmo equívoco histórico relembrarem o significado daquelas “primeiras palavras”.
A desmistificação de Paulo Freire como um consenso exige de nós o reconhecimento das contradições nas quais ele se insere e nas quais nós nos inserimos quando da sua leitura. O reconhecimento de que, como oprimidos(as), hospedamos o opressor, pode “contribuir para o partejamento de sua pedagogia libertadora”. Esse reconhecimento, no entanto, não se dará em solidão. Para tanto, não esqueçamos de que o “Freire do MST” é necessariamente o Freire com o MST, com os homens e a mulheres do MST: com eles e elas sofrendo, mas, sobretudo com eles e elas lutando
Roberto Efrem Filho é mestrando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Papéis podres já estão sendo embalados pelos Rockefeller, Morgan, Goldman, etc
Paulson defendeu, como imprescindível para o “sucesso” do plano, que a compra dos títulos podres não se atenha ao “valor de mercado”, como os neoliberais sempre defenderam, mas a um “valor maduro” - que será definido por ele mesmo
O cartel financeiro dos EUA amplificou, ao longo da semana, sua chantagem sobre o país inteiro, para expropriar US$ 700 bilhões dos americanos, a serem embol-sados pelos Rockefeller, Morgan, Goldman, Mellon e outras famiglias de magnatas que, em troca, desovariam no Federal Reserve e no Tesouro toneladas e mais toneladas de papéis podres, derivativos em decomposição e títulos triplo-A de fancaria. Como afirmou o economista Michael Hudson, trata-se da maior transferência de riqueza da história dos EUA desde a doação de terras aos barões das ferrovias no século XIX.
5% DO PIB
A chantagem foi tornada pública pelo próprio secretário do Tesouro, Henry Paulson, aliás, ex-presidente do arrombado banco Goldman Sachs, e do presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke. Ou 5% do PIB (é isso que esses US$ 700 bilhões significam) em troca de papel podre de que os bancos, empacotadoras de hipotecas, refinanciadoras, seguradoras, securitizadoras, fundos de derivativos e outras espeluncas estão entupidos – e já – ou o “pânico”, “destruição sistê-mica”, recessão e desemprego. Note-se que esse valor não inclui o que já havia sido posto anteriormente nas arcas dos banqueiros - US$ 1 trilhão.
Paulson defendeu, como imprescindível para o “sucesso” do plano, que a compra dos títulos podres seja feita, não pelo “valor de mercado”, como os neoliberais sempre defenderam, mas por um “valor maduro” - que será determinado por ele mesmo. Assim, os americanos estão ameaçados de descobrirem, de súbito, onde está metida a “mão invisível dos mercados”: enfiada nos bolsos de cada um deles, para a escorcha dos US$ 700 bilhões em prol dos banqueiros. Mas ele prometeu que, futuramente, todos os assaltados serão recompensados regiamente, graças à valorização com que, com as graças de São Patinhas, o santo protetor de Wall Street, serão abençoados os papéis podres, as hipotecas fraudadas e a classificação de risco. O secretário do Tesouro também descartou qualquer garantia real dos banqueiros quanto aos US$ 700 bilhões, no caso, ações dos bancos, dizendo que isso dificultaria a adesão. Depois de muita pressão no Congresso, admitiu que poderá haver limite para os bônus recebidos pelos executivos dos bancos com problema.
É certo que é grave a crise no cartel financeiro dos EUA, como atestam a quebra de três dos cinco principais “bancos de investimento”, Merrill Lynch, Lehman Brothers e Bear Stearns, dos dois gigantes do refinanciamento de hipotecas (Fannie Mae e Freddie Mac) e da maior seguradora do país, a AIG; os reiterados anúncios de perdas do Citibank, Wachovia e JP Morgan Chase; o estado terminal do banco Washington Mutual, entre outros. O caso é que o cartel tenta impor que a saída se dê no sentido contrário ao que Franklin Roosevelt liderou na década de 30.
A saída vislumbrada por Roosevelt significou proteger a produção e os salários, criar mecanismos para financiar a moradia, garantir os depósitos em contas correntes, separar bancos de depósitos ao público daqueles voltados para a especulação com ações e títulos e, assim, limitar a monopolização. Agora, o cartel financeiro exige US$ 700 bilhões para intensificar e radicalizar a monopolização, como na fusão dos rombos do Bank of America com os rombos do Merrill Lynch, ou no namoro do Morgan Stanley com o Wachovia. Ou na busca de calçar, para o Citibank, os US$ 138 bilhões de débito correspondente que o Lehman informou ao formalizar sua bancarrota.
RETROCESSO
As coisas chegaram a esses extremos, menos de dez anos após a derrubada, em 1999, da lei de Roosevelt de regulamentação do sistema financeiro, e que abriu caminho nos anos 30 para a superação do maior crash da vida do país. Como afirmou o senador democrata Charles Schumer, perante Paulson e Bernanke, “nos foi dito que os mercados sabiam melhor, e que nós estávamos entrando em um mundo novo de crescimento global e prosperidade”. “Agora temos de pagar pela ganância e temeridade daqueles que deveriam saber melhor”, acrescentou, apontando, ainda, ser hora da economia americana ser revivida como “o motor da prosperidade”, ao invés de ser “um cassino para apostadores da alta finança”.
ANTONIO PIMENTA
FIDEL CASTRO
As notícias de hoje pela tarde não têm desperdício:
“Bush cancelou todas as atividades. Tinha previsto viajar ao Alabama e à Flórida para participar em atos de arrecadação de fundos eleitorais.”
“Disse na quinta-feira que estava preocupado pela situação dos mercados financeiros e da economia estadunidense…”
"Os mercados têm desmoronado”... - continuam informando os despachos informativos -, “o governo se viu obrigado a nacionalizar a seguradora gigante American International Group (AIG), e o Federal Reserve, numa ação coordenada com outros bancos centrais, injetou 180 bilhões de dólares nos mercados financeiros.”
“O presidente assegurou que seu governo está tomando medidas agressivas e extraordinárias ‘para acalmar os mercados’.”
“As autoridades de toda a Ásia buscam frear a queda de suas moedas, bolsas e valores, para evitar que a crise de Wall Street atinja a região.”
“O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, culpou hoje a especulação da crise financeira internacional, e admitiu que está preocupado pelos riscos de uma recessão nos Estados Unidos.
“Também se compadeceu da situação dos grandes bancos dos Estados Unidos, que no passado criticaram o Brasil e outros países emergentes, e questionou o sistema financeiro internacional.
“Há uma crise nos Estados Unidos, uma crise muito forte, que levou a maior economia do mundo a sobressaltos extraordinários”, disse.
“Não é que não estejamos preocupados. Os Estados Unidos são a maior economia do mundo e o maior importador.”
Concluiu suas palavras afirmando: “Vejo com certa tristeza bancos importantes, muito importantes, que passaram a vida dando conselhos sobre o Brasil e sobre o que tínhamos que fazer ou não, e que agora estão quebrados ou entraram em bancarrota.”
Os ventos violentos do Ike financeiro também ameaçam a todas as “províncias” do mundo. O prognóstico meteorológico é incerto; vem-se falando dele há semanas, e rajadas de mais de 200 quilômetros por hora se fazem sentir. Como diz Rubiera, de uma categoria a outra seu poder de destruição se eleva ao quadrado.
É muito difícil acompanhar de perto e compreender as fabulosas cifras de dinheiro fresco que são injetadas na economia mundial. São grandes quantidades de papel moeda, que conduzem inevitavelmente à perda de valor e capacidade aquisitiva.
O crescimento dos preços é inevitável nas sociedades consumistas e desastroso para os países emergentes, tal como o assinala Lula da Silva. Se o maior importador do mundo deixa de importar, atinge ao resto; se sai para competir, atinge aos demais produtores.
Os grandes bancos dos países desenvolvidos - destaca - imitam e tratam de coordenar com os dos Estados Unidos; se os deste quebram, os daqueles também, e devoram uns a outros.
Os paraísos fiscais prosperam; os povos sofrem. Por acaso assim poderia se garantir o bem-estar da humanidade?
Fidel Castro Ruz
18 de Setembro de 2008
GILSON CARONI FILHO
Há algum tempo, em outubro de 2005, o jornalista Renato Rovai advertia quanto aos riscos que o tipo de jornalismo praticado por Mainardi e outros articulistas de Veja trazia para a imprensa como instituição e o jornalismo como profissão.
“Os tiros do padrão Veja de jornalismo estão sendo dados enquanto o silêncio acomodado da maior parte dos jornalistas segue impávido. Parece que é assim mesmo, que faz parte do jogo. Não é. Não se pode deixar que seja. Os profissionais mais jovens ainda merecem um desconto. Os mais experientes, calados, são cúmplices. Estão ajudando a desmoralizar a profissão. E pagaremos todos por isso”. (Revista Fórum, outubro de 2005)
Em dezembro do mesmo ano, Olavo de Carvalho, em cruzada aberta contra o Observatório da Imprensa afirmava que pelos critérios da esquerda, “o simples salário de jornalista profissional, tão limpo quando pago a esquerdistas, se torna uma espécie de propina corruptora quando vai para o bolso de alguém politicamente incorreto”.
O “esquerdista”, subsidiado por uma tão onipresente quanto imaginária “Internacional Comunista”, sempre atuante nos arrazoados do auto-intitulado “filósofo”, seria o jornalista Alberto Dines, editor do Observatório. O “politicamente incorreto”, o iconoclasta de estimação da família Civita era, obviamente, o polemista (?) Diogo Mainardi. É assim que Olavo costuma reorganizar as questões que o atormentam no campo das idéias: com simplificações e rótulos. É nesse marco que se processam suas “impagáveis abstrações.”
Passados três anos da publicação dos dois textos, o “oráculo de Ipanema”, em entrevista ao Jornal Laboratório da Facha (edição nº 23, julho/agosto de 2008), tece considerações sobre o que julga ser a natureza de uma categoria profissional. Confirma os piores temores de Rovai e, por conseqüência, esclarece as dúvidas “olavianas” sobre os critérios que definem o tipo de pagamento pelos serviços prestados por ela.
Lembrando da argumentação usada pelo pai do articulista, o publicitário Ênio Mainardi, para trocar as redações pela publicidade (“se era para ser uma prostituta, seria, então, uma prostituta de classe”) os estudantes Daniela Lima e Diego Ferreira perguntaram a Diogo se ele se considerava uma prostituta no jornalismo.
A resposta não podia ser mais categórica: “hoje, em dia, jornalistas e publicitários ganham a mesma coisa, saíram da Vila Mimosa para as ruas mais elegantes da cidade (...) Talvez seja essa a minha maior preocupação: ser menos prostituta possível”.
Não ficou claro se Mainardi produziu uma peça de péssimo gosto ou tentou esboçar análise de um novo projeto de construção da identidade do campo jornalístico brasileiro. Uma tosca tentativa de iniciar o debate sobre novas funções éticas da imprensa. Um processo que passa pela redefinição de como se dará a elaboração crítica da informação a partir de insuspeitas exigências da nova tecnologia.
Enquanto os especialistas não se debruçam detidamente sobre as questões levantadas na entrevista, uma coisa é certa: a distância entre Vila Mimosa, famosa área de prostituição do Rio de Janeiro, e a redação de conhecida revista semanal, na Avenida das Nações, 7221, em São Paulo, diminuiu consideravelmente. Em breve será muito comum ouvirmos as pessoas dizerem que certo tipo de articulismo é a profissão mais antiga da humanidade. E, no entanto, estarão lidando com fenômeno recente e urbano.
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.
por Diorge Alceno Konrad*
A cada Semana Farroupilha, em geral, a cada 20 de setembro, em particular, a formação social do Rio Grande do Sul se vê imersa num debate entre memória, tradicionalismo e história.
Todas se mesclam entre si, é verdade, mas em nome da tradição e da memória, muitas vezes o processo histórico rio-grandense é constantemente revisitado. De forma parcial e fragmentária, a fim de reforçar o simbolismo de uma versão das classes proprietárias gaúchas, para justificar o presente de dominação política e econômica, ou mesmo um passado perdido, esta versão visa manter os privilégios de dominação de classe, a partir de uma visão romântica de mundo. Mais do que esclarecer o que foi a Guerra Civil dos Farrapos, em todas as suas dimensões, esta visão se apropria da história com interesses político-ideológicos contemporâneos eivados pelo liberalismo conservador.
Entre os historiadores esta ambivalência discursiva não poderia ser diferente, pois que, a polêmica tem suas representações históricas, suas versões ideológicas e classistas e suas tomadas de posições diante dos referenciais sócio-culturais diversos.
Foi Nelson Werneck Sodré, em As razões da Independência, que considerou a Farroupilha entre a contradição do avanço liberal e do regresso conservador pós-Independência política. No contexto de um Império centralizador e escravocrata, o Ato adicional de 1834, o qual deixou “intocados os pontos essenciais da estrutura vigente”, representou o momento fatal do debilitamento progressivo da esquerda liberal.
Fortalecida pelo desenvolvimento da economia cafeeira que, segundo Sodré, “impulsionava o latifúndio, estimulava o tráfico negreiro, gerando interesses que passam a preponderar no meio nacional, reunindo somas de recursos como o país não conhecera antes”, os conservadores fluminenses e paulistas hegemonizam a política imperial. Assim, estabeleceram a Guarda Nacional como sua força militar, impuseram o Poder Moderador e estiveram na frente do Golpe da Maioridade de Dom Pedro II, em 24 de julho de 1940, fortalecendo a Monarquia como regime de governo.[1]
Foi nesse contexto de ascensão conservadora que se deram as últimas tentativas de revoltas provinciais e liberais como a Farroupilha (1835-1845), a Cabanagem (1835-1840), a Sabinada (1837-1838), a Balaiada (1838-1941), as revoltas liberais de São Paulo e Minas Gerais (1842)e, por fim, a Revolução Praieira (1848).
No período, a centralização conservadora provocou intensa reação dos liberais, os quais levantaram contraditórias e complementares posições políticas federalistas, antiescravistas e republicanas.
Num contexto latino-americano de independências políticas alicerçadas em diversas repúblicas, o Império brasileiro se tornou uma ilha monárquica no Continente.
No caso da Guerra dos Farrapos, os anseios liberais moldados pela maçonaria, que tinha líderes do porte de Bento Gonçalves e David Canabarro, bateram de frente contra o Império que achacava as províncias com altos impostos, entre elas a Rio-Grandense. Além de optar pelo charque uruguaio, em contraposição ao caro e fundamental produto de exportação da economia periférica gaúcha, os liberais conservadores do café viam os latifundiários e pecuaristas rio-grandenses como apêndices sócio-econômicos de seu projeto político de manutenção do escravismo brasileiro.
Assim, os Farrapos levaram adiante a defesa de maior autonomia das províncias, em contraposição ao modelo imposto pela Constituição de caráter unitária outorgada ainda em 1824, iniciando a deposição do governo provincial com a tomada de Porto Alegre, consolidada em 21 de setembro de 1935.
De lá para cá, em cada efeméride, em cada decênio, no centenário de 1935 e no sesquicentenário de 1985, a Farroupilha tem sido a maior marca simbólica que procura marcar a identidade do que seria ou deveria ser o gaúcho.
Durante o movimento, imperiais e rebeldes passaram a narrar visões opostas do que representava o Guerra Civil. Na Revolta Federalista de 1893, assim como na Revolução de 1923, no Rio Grande do Sul, maragatos (liberais conservadores) e pica-paus (republicanos), divididos no campo de batalha, reivindicavam o 1835 como o emblema de suas tradições passadistas de um suposto povo guerreiro, marcado pelo espírito de defesa do território na luta pelo Brasil ou em defesa do Rio Grande do Sul.
Entre os historiadores, a partir do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS), especialmente na década de 1920 e no decorrer da consolidação do Movimento de 1930, tivemos duas oposições mecânicas sobre o caráter da Revolução Farroupilha. De um lado, aqueles que defenderam a Farroupilha como uma revolução de influências platinas e separatistas; do outro, os que defendiam a formação gaúcha com seu caráter lusitano e brasileiro.
Conforme nos mostrou Ieda Gutfreind, um Rio Grande do Sul luso em sua origem e brasileiro em seus sentimentos tem em Aurélio Porto o lançador desta tendência historiográfica que se intensifica a partir da década de 1920, quando Souza Docca o desloca e o torna mais mais convincente, enquanto que Othelo Rosa expande e aprofunda a matriz lusitana e Moysés Vellinho aprimora esta versão com seu referencial lingüístico e literário.[2]
Para ilustrar esta vertente, foi Emílio Fernandes de Souza Docca, historiador militar, que, na conjuntura do Centenário Farroupilha, em 1935, em um texto lançado em separata no IHGRGS,[3] afirmou a ausência do caudilhismo no contexto sul-riograndense por aqui não existirem chefes mas combatentes de um ideal, consubstanciado num programa político de liberdade contrárias ao domínio ditatorial. Para Souza Docca, o “espírito federativo” e a “brasilidade” dos rebeldes foi a grande marca da Farroupilha, o “mais heróico” esforço antecipado em defesa da República Federativa do Brasil. Nessa linha de argumentação, o autor negava o separatismo e o platinismo como marcas da Guerra Civil, chamada por ele de “decênio histórico” de idealistas políticos para realizar o sonho da Federação, mesmo que alguns fossem monarquistas e outros republicanos. Por fim, seu argumento sobre o fim do Movimento, em 1845, seria um exemplo desses ideais federalistas e não-separatistas sem relação com os países vizinhos.[4]
O argumento de Souza Docca era uma contraposição às teses de Alfredo Varella que escrevera História da Grande Revolução, em 1933, defendendo as influências platinas e o separatismo da Revolução Farroupilha, sobretudo procurando demonstrar como seus principais líderes conspiraram com os governantes dos países do Prata. Como afirma Gutfreind, num clima de nacionalismo exacerbado que caracterizaram o Brasil pós-1930, a obra de Varella, solitária e combativa, causou comoção na comunidade acadêmica sulina.[5]
Os eixos contrapostos no Centenário, tiveram outra revisão historiográfica em torno do sesquicentenário. O revisionismo historiográfico das décadas de 1970 e 1980 foi marcado, em especial, pelas considerações de uma nova geração de historiadores.
Para Moacyr Flores,[6] em Modelo político dos Farrapos e A Revolução Farroupilha, a principal marca da Guerra Civil foi as disputas entre os liberais moderados (tanto monarquistas como republicanos) e os liberais exaltados (republicanos) contra o absolutismo do monarca, na defesa de um governo constitucional que garantisse a liberdade dentro da lei e a propriedade, além da eleição do Presidente da Província e não a sua nomeação pelo Império.
Flores, que divide a Farroupilha em duas fases (1835-36 com a deposição de Fernandes Braga e a tomada de Porto Alegre; 1836-1845 com a Proclamação da República Rio-Grandense e o Tratado de Paz), afirma que o movimento contradiz as teses econômicas da causa farrapa, pois um dos primeiros atos da República foi aumentar o imposto sobre o charque. Para o autor, um dos erros fundamentais dos farroupilhas foi não libertar os escravos, pois poderiam ter contado com um grande exército para derrotar o Exército Imperial, somados ao erros militares e as violências das tropas farroupilhas, decisivas para a derrota da causa, complementados pela substituição dos princípios liberais pela ditadura militar durante o processo. Segundo Flores, ao instituir a bandeira, o hino e o escudo, a República tornou-se separatista.
Outra tomada de posição importante do autor, especialmente pelo valor político e emblemático desta questão, a qual contrapõe parte da academia com o pensamento majoritário do movimento tradicionalista, através dos Centro de Tradições Gaúchas (CTGs), foi a demonstração comprovada com documentos, da Traição de Porongos. No episódio, Francisco Pedro Abreu, o “Moringue”, atacou o acampamento de infantaria da República, os Lanceiros Negros composto pela maioria de negros e ex-escravos, após o seu desarmamento acordado pelo líder Davi Canabarro em tratado prévio com Caxias, o líder das tropas imperiais na fase final do conflito. O Massacre de Porongos, ocorrido em 14 de novembro de 1844, para Flores, foi decisivo para o declínio da Farroupilha e uma marca dos imperiais que não aceitavam incluir um exército negro como libertos na anistia política.
Sandra Pesavento abordou o debate historiográfico procurando ver a construção do mito que gerou a idealização da Revolução Farroupilha.[7] Para a autora, a Farroupilha, como “símbolo do espírito de bravura do povo gaúcho”, de suas “tendências libertárias” e como exemplo da “raça gaúcha”, marcando a formação histórica sulina pela “democracia dos pampas” e de uma “sociedade sem classes”, marcado pelo gaúcho “centauro dos pampas” e “monarca das coxilhas” faz parte de uma visão positivista-idealista. Esta concepção, na verdade, busca legitimar o sistema de dominação vigente e a hegemonia do grupo agropecuarista na sociedade civil gaúcha.
Segundo Pesavento, uma visão crítica precisa resgatar a rebelião comandada pelos senhores de terra e gado gaúchos como uma luta contra a dominação que a oligarquia do centro do país impunha às províncias, contra a centralizzação política e administrativa do Rio de Janeiro, tendo suas raízes na tentativa de quebra da subordinação de uma economia voltada para o abastecimento do mercado interno. Neste processo, é que a luta política de idéia inicial federativa partiu para a adoção da República liberal e de caráter separatista.
Por fim, a histroriadora apresenta a hipótese de que a Farroupilha tem servido para uma historiografia tradicional que representa um grupo social (os pecuaristas), o qual procura sacralizar o seu mando pela imposição ideológica de um passado dignificante, apresentado em nome de todo um “povo”, como se não fosse apenas desta elite, resgatando para os interesses das classes dominantes o seu passado como se fosse de todos os gaúchos.
Mais recentemente, os ensaios historiográficos de Raul Machado Kroeff Carrion tem reacendido o debate sobre o tema farroupilha no Rio Grande do Sul.[8] Para o historiador e atual deputado estadual pelo PCdoB do Rio Grande do Sul, é preciso ver o sentido progressista da Revolução Farroupilha, em seu tempo histórico, quando ela representou o enfrentamento de um Império centralizador e escravocrata, defendendo a República e a Federação.
Carrion reconhece a apropriação ideológica da Farroupilha pela oligarquia pecuarista (nos discursos que falam dos “monarcas das coxilhas” e na defesa da “democracia dos pampas”) a qual idealiza os fazendeiros e fecha os olhos para as contradições e vacilações frente à escravidão, ignorando os protagonistas negros, índios, mestiços e brancos pobres.
Porém, é preciso buscar as raízes mais profundas da Farroupilha, através do referencial marxista, entendendo a sua relação com as demais revoluções do Período Regencial, seu caráter republicano e federalista e o seu significado “separatista”, compreendendo os setores oprimidos (como os Lanceiros Negros), o que possibilitaria um “balanço equilibrado” do movimento, sem cair na visão tradicional nem na leitura histórica que não reconhece o contexto da época, ambas visões simplórias e anacrônicas.
Dessa forma, Carrion critica a redução da questão apenas à direção daquela luta pelas oligarquias rurais gaúchas, levando a um desconhecimento das condições históricas em que ela se deu, quando era inviabilizada uma hegemonia dos setores populares da época. Assim, esta visão não percebe as contradições entre os farroupilhas de maioria abolocionista (Bento Gonçalves, Domingos de Almeida e Antônio de Souza Netto) e uma minoria escravista (Vivente da Fontoura, Davi Canabarro e Onogre Pires), numa concepção em que o povo é sempre massa de manobra,[9] sem levar em conta uma guerra que foi hegemonizada pelos proprietários de terras, enquanto que os verdadeiros protagonistas foram os negros, índios, mestiços e brancos pobres defendendo a República e os esforços de liberdade que a Farroupilha trazia consigo.
Enfim, todas estas contribuições da historiografia, entre outras tantas possíveis, leva-nos a incorporar a crítica ideológica e política presentes nas obras citadas acima, sem cair em visões mecânicas, bipolares e dualistas tão comuns a estudos das ciências humanas, contrapondo lusitanos X platinos, imperiais X farroupilhas, paulistas X gaúchos, negando uma visão totalizante que não percebe o processo em contradição na formação social brasileira e gaúcha.
Em relação a Farroupilha, bem como em qualquer outro momento ou processo histórico, o método de investigação dos marxistas deve procurar entender a síntese de múltiplas determinações.
Nela, fica impossível isolar na Farroupilha a luta pela diminuição do imposto sobre o charque e o sal e a crítica da preferência do Império pelos produtos do Prata, contraditoriamente somadas pela influência das idéias liberais que circulavam no Cone Sul.
Assim, negar qualquer influência platina, seja na formação do Rio Grande do Sul, seja na Farroupilha, não tem correspondência com a história de disputas e complementações com os lusitanos e brasileiros neste território, uma visão absolutamente sem sentido político, inclusive para nossos tempos atuais de Mercosul. É sabido, por exemplo, que em 28 de dezembro de 1941, o governo farroupilha fez um acordo de ajuda mútua com o governo uruguaio em torno dos princípios republicanos. Aliás, foi também no proceso de desenvolvimento da Guerra Civil Farroupilha que a proclamação da República tornou-a separatista.[10]
A libertação dos escravos, ponto sintomático dos limites dos liberais brasileiros (e também dos farroupilhas que não o colocaram na Constituição da República Rio-Grandense), mais contraditórios que seus contemporâneos europeus, colocavam o liberalismo em seu lugar, mas marcado pelo conservadorismo, o qual defendia mais a propriedade e a Federação do que uma República claramente anti-escravista. De qualquer forma, ideais federativos e republicanos e tímidas defesas da abolição interessavam aos trabalhadores pobres e aos escravos nos quadros de um Império escravocrata na primeira metade do século 19, bem como colocaram em luta mesmo os defensores farroupilhas, expondo tanto o conservadorismo entre eles bem como antecipando a luta republicana por outros tantos farroupilhas.
Por isso, a cada 20 de setembro, a cada Semana Farroupilha, gáuchos brasileiros têm oportunidade cada vez menos para comemorar de forma idealizada aquele movimento, bem como cada vez mais rememorar criticamente seu passado histórico, sem se contentar com ufanias idílicas, mas vendo nele uma ponte para compreender o presente, perceber a manutenção de suas contradições e desigualdades sociais, buscando a transformação dessa realidade.
Assim, a síntese dialética entre a memória e a história farroupilha, transforma esta em projeto e antítese daquela, sem negá-la e ao mesmo tempo a superando, na busca do novo para além da tradição liberal da ordem e da propriedade tão ao gosto de um tradicionalismo que tão pouca correspondência tem com as necessidades históricas dos atuais setores populares do Brasil e do Rio Grande do Sul.
Notas
Este artigo é uma homenagem aos 170 anos da criação do Corpo dos Lanceiros Negros, durante a Guerra Civil Farroupilha, em 31 de agosto de 1838. É uma síntese da intervenção apresentada no Painel “Revolução Farroupilha”, ocorrida na Assembléia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, em 15 de setembro de 2008, com a participação do historiador Moacyr Flores e da geógrafa e folclorista Elma Sant’ana e a coordenação do Deputado Estadual Raul Carrion.
[1] Ver SODRÉ, Nelson Werneck. As razões da Independência. 4 ed. São Paulo: Difel, 1986, p. 215-220.
[2] GUTFREIND, Ieda. A historiografia Rio-Grandense. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 1992, p. 37.
[3] Cf. DOCCA, Emílio F. de Souza. O sentido brasileiro da Revolução Farroupilha. In. Revista do IHGRGS. Porto Alegre: IGHRGS, 1935.
[4] Ver estas referências analisadas por ALVES, Francisco das Neves. O enaltecimento da Farroupilha versus o esquecimento da Federalista: um estudo de caso historiográfico. In. Biblos - Revista do Departamento de Biblioteconomia e História, n. 17. Rio Grande: FURG, 2005. Disponível emhttp://seer.furg.br/ojs/index.php/dbh/article/viewPDFInterstitial/246/55. Acesso em 8 set. 2008.
[5] GUTFREIND, op. cit., p. 115. Segundo a autora, esta visão de Varella foi retomada por Manoelito de Ornellas, uma nova tentativa que privilegiava as influências hispânicas e/ou platinas no Rio Grande do Sul e no gaúcho. Esta tese centralizava-se na indivisão de fronteiras político-administrativas da área platina, destacando a unidade do Pampa e do gaúcho rio-grandense da fronteira, do Uruguai e da Argentina, que apresentavam hábitos, costumes tradições, inclusive a música e a língua, semelhantes. Idem, p. 130 e 132.
[6] Ver do autor FLORES, Moacyr. Modelo político dos Farrapos. 3 ed. Série Documenta, n. 1. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1978 e A Revolução Farroupilha. 4 ed. Coleção Síntese Rio-Grandense nº 2. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2004.
[7] Ver da autora: Farrapos, Liberalismo e ideologia. In. FREITAS, Décio et alii. In: Dacanal, J. H.. (org.). A Revolução Farroupilha: história & interpretação. Série Documenta, n. 20. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985, p. 5-29; A Revolução Farroupilha. Coleção Tudo é História, n. 101. São Paulo: Brasiliense, 1985.
[8] Ainda como vereador, Raul Carrion lançou pela Câmara de Porto Alegre os ensaios Os Lanceiros Negros na Revolução Farroupilha e Revolução Farroupilha, em 2003 e 2005, respectivamente.
[9] Para o autor, na visão tradicional, o povo inexiste; na visão supostamente de esquerda, o povo é apenas “bucha de canhão”.
[10] O separatismo, que foi parte do processo histórico farroupilha, se tornou um ideal de princípio do movimento de 1835-1845, na leitura dos ideólogos separatistas contemporâneos do Rio Grande do Sul. Esta reapropriação da Farroupilha para ideais políticos atuais é mais um mecanismo que recorta a história em fatias, apresentando a parte do processo como se fosse o seu todo.
*Diorge Alceno Konrad, Doutor em História Social do Trabalho pela UNICAMP
A marcha de milhares de camponeses, indígenas, mineiros e mulheres, que se aproxima de Santa Cruz, é uma resposta do povo boliviano aos terroristas da “Meia Lua”, em defesa do plebiscito para referendar a nova Constituição e contra as agressões da direita separatista e pró-estadunidense.
Por Leonardo Severo, enviado especial do HP*
Como pudemos constatar em nossa recente visita à Bolívia, foram imensos os prejuízos causados pelo vandalismo na ocupação de instituições públicas nos Departamentos (estados) de Santa Cruz, Beni, Pando, Tarija e Chuquisaca.
Conforme levantamentos parciais, os bandos organizados e armados pelos governos direitistas da chamada “Meia Lua” – financiados pela Embaixada dos EUA - provocaram perdas econômicas que ultrapassam os US$ 110 milhões, além de levarem o país à beira da guerra civil, comprometendo temporariamente os avanços na reforma agrária e na política indigenista.
Retomados agora pelo presidente Evo Morales, muitos dos prédios e escritórios terão de ser inteiramente reconstruídos e reequipados. Como Evo já deixou claro, o prejuízo será debitado na conta dos governos locais, que tentaram se apropriar ilegalmente desses bens.
A Marcha de camponeses, indígenas, mineiros e mulheres se aproxima de Santa Cruz, que completa nesta quarta-feira (24) 198 anos de existência, em resposta às constantes e reiteradas agressões fascistas as mulheres, crianças e idosos indígenas que ousam freqüentar espaços públicos como as praças centrais dos departamentos separatistas.
Mais do que um grito, a mobilização representa um coro de basta à violência desatada pelos fascistas, como ocorreu recentemente em Pando, com suas dezenas de mortos e desaparecidos, que levou o governador do Departamento vizinho ao Acre à prisão. A cobertura da mídia pró-golpe invisibilizou o assunto, numa solidariedade cúmplice aos assassinos.
Oposição agressiva
Durante entrevista coletiva, o presidente Evo Morales afirmou que a oposição “se reduz cada vez mais, não somente em sua representação, mas em sua capacidade de arregimentação”. Porém, alertou, “quando se reúne é muito mais radical, muito mais agressiva, muito mais violenta com as instituições do Estado, com o governo, com autoridades como a Polícia e as Forças Armadas”.
De maneira conjunta, disse Evo, os dirigentes dos movimentos sociais expressaram “que já se cansaram das agressões, das humilhações e do racismo na cidade de Santa Cruz. Este levantamento cruzenho o comparo com o de Tupac Katari na cidade de La Paz em 1781... Cerco de 180, 190 dias, quase meio ano, tudo pela defesa do território, a dignidade, a igualdade e também a luta pela independência, a liberação ante à invasão européia”.
Na região da “Meia Lua”, junto a seus Comitês “Cívicos” – como se autodenominam as organizações de direita, membros da União Juvenil Cruzenhista e elementos arregimentados pelos governos estaduais – tomaram pelo menos 36 sedes e escritórios do governo central.
Numa demonstração ímpar de racismo em Santa Cruz – onde correu mundo a foto de um carro ostentando a suástica – os delinqüentes ocuparam a sede da Coordenação de Povos Étnicos (Cpesc). Retomada na última sexta-feira (19), a Cpesc teve sua estrutura completamente destruída, após ser saqueada no dia 11 de setembro por bandos armados.
“O alvo do vandalismo são os indígenas que lutam por assegurar seus direitos históricos e que agora têm no Estado um instrumento para fazer justiça. A direita não se conforma com os avanços sociais, quer impor o retrocesso”, explicou Hugo Salvatierra, dirigente do MAS e ex-ministro de Assuntos Agropecuários, que nos acompanhou na visita ao local. Na armação fascista muitas das instituições foram saqueadas e tiveram seus documentos roubados ou destruídos.
Veja manipula realidade
Segundo a última edição da revista Veja, que não falou palavra sobre o assunto e nem publicou uma única foto, a razão é simples: porque “Evo Morales está destruindo a economia e a democracia para criar um estado narcossocialista”.
A revista tenta confundir a defesa da Coca, feita pelo povo e governo da Bolívia com a da cocaína, apostando na ignorância e na desinformação. Como está descrito no artigo 384 da Nova Constituição, ''o Estado protege a coca originária e ancestral como patrimônio cultural, recurso natural da biodiversidade da Bolívia a e como fator de coesão social; em seu estado natural não é entorpecente. A revalorização, produção, comercialização e industrialização será regida mediante a lei''.
Ou seja, a Coca se define como recurso natural e não como entorpecente ou droga, merecendo proteção para sua industrialização ou utilização com fins medicinais (digestivo, protéico) e outros usos (doces, pasta dental, etc.). E mais, o Informe Mundial sobre Drogas 2008, publicado recentemente pelo Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Delito (UNODC, sigla em inglês), revelou que os Estados Unidos são responsáveis pelo consumo de 45% de toda a cocaína do planeta, ainda que sua população corresponda a apenas 4,5% da população mundial.
Como declarou o presidente Evo, em resposta a uma declaração de Bush de que a Bolívia não estaria fazendo a sua parte no combate ao narcotráfico, “o governo dos EUA não tem nenhuma moral para falar de drogas. Quer nos impor uma lei de cerco aos produtores de Coca, mas não faz nada para cercear o consumo das drogas entre os norte-americanos”.
Aliás, entre as acusações da revista preferida do Departamento de Estado norte-americano, o “empreguismo” no país irmão virou “lambança”, porque a empresa estatal YPFB (Yacimientos Petrolíferos Fiscales da Bolívia), que antes da nacionalização em 2006 tinha 150 funcionários, hoje tem 1500”.
Nenhuma palavra sobre a retomada da principal riqueza nacional e a inversão da lógica entreguista que remunerava as transnacionais com 82% dos recursos, repassando apenas 18% ao Estado. Com Evo, o país fica com 82% para investir no seu desenvolvimento e o capital estrangeiro com 18%. Completo silêncio sobre o fim das terceirizações, a valorização de um serviço público essencial e a qualificação de profissionais para estarem à altura da construção de uma nova Bolívia, independente e soberana.
Nova Constituição
Fruto de intensa participação popular, a nova Carta Magna boliviana passou a ser o alvo principal da direita que, diante da monumental derrota no referendo revogatório de 10 de agosto, onde Evo alcançou 67,4% dos votos, foge do caminho das urnas e, sob o patrocínio da Embaixada dos EUA, busca, sob o manto da autonomia, consolidar o separatismo.
A Nova Constituição determina ao Estado "a direção integral do desenvolvimento econômico e seus processos de planificação"; aprofunda e massifica a reforma agrária; garante o acesso da população aos serviços públicos essenciais, impedindo a sua privatização; subordina a propriedade privada à função social e ao interesse coletivo. Em outras palavras, tudo o que os grandes capitalistas não querem ouvir.
Na luta contra a realização do referendo para a aprovação da Nova Constituição, a direita levanta a bandeira dos “estatutos autonômicos”, exigindo o repasse de ingressos do Imposto Direto aos Hidrocarbonetos, recurso que havia sido redistribuído aos municípios e ao pagamento da Renda Dignidade (aposentadoria paga a todos os maiores de 60 anos). Na ânsia de manter a nível local o poder perdido nacionalmente, a direita apostou na fragmentação do país e está quebrando a cara.
Isolamento
Na ação terrorista, além de explodirem uma válvula do gasoduto Yacuba-Rio Grande, obrigando o país a reduzir em 10% a exportação de hidrocarbonetos, bandos armados tomaram a unidade de gás de Rio Grande, com o qual desabasteceram o mercado interno de gás liquefeito de petróleo (GLP) e atacaram a unidade de compressão de Pocitos, localizada em Yacuba, impedindo o envio de gás à Argentina.
Contra a sede da empresa telefônica Entel, recém-nacionalizada, os bandos despejaram sua fúria: quebraram portas e janelas, roubaram cartões, computadores, móveis e destruíram tudo o que encontraram pela frente. O estrago em Santa Cruz foi de tal magnitude que as aulas tiveram de ser suspensas por cinco dias, deixando constrangidos até apoiadores do governador Ruben Costas e do presidente do Comitê “Cívico”, Branko Marinkovich, conhecidos por seu direitismo e preconceito.
Pelos danos à infra-estrutura petroleira e seus impactos negativos no contrato de exportação para o Brasil, só a Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) perdeu US$ 100 milhões; o Serviço de Impostos Nacionais (SIN), US$ 9,2 milhões; a Aduana deixou de arrecadar US$ 1,8 milhão; o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INRA), US$ 500 mil, e novos prejuízos são comunicados a cada dia.No caso específico da sede do INRA de Santa Cruz, a mais afetada, a avaliação é que as informações roubadas e os documentos queimados, que continham valiosas análises sobre a concentração de terras, exigirão novos estudos sobre a função econômico-social das propriedades, retardando o processo de redistribuição.
Vale lembrar que recentemente o INRA havia declarado ilegal a possessão de 12 mil hectares do “empreendimento” Yaminska, de propriedade da família do presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, Branco Marinkovic, o maior latifundiário da Bolívia. Na ação, a instituição havia pedido que a propriedade fosse desalojada para posterior distribuição das terras entre os membros do povo guarayo, uma das etnias indígenas da região roubadas pela família Marinkovic.
Para a delegada presidencial em Santa Cruz, Gabriela Montaño, a intenção dos vândalos foi clara: “frear a luta contra o latifúndio e o avanço da reforma agrária”. Desapareceram cerca de 1,5 mil arquivos com títulos de propriedade que beneficiariam camponeses e comunidades indígenas. Conforme os dados do INRA, cerca de 15 famílias na região são donos de extensões de terra 25 vezes superiores à área urbana de Santa Cruz de La Sierra.Em visita às instalações, o vice-ministro de Reforma Agrária, Alejandro Almaraz, sublinhou que os danos econômicos ascendem a meio milhão de dólares e que pedirá o indiciamento dos dirigentes “cívicos” e governamentais da região implicados na agressão.
Delinqüentes
O fato é que para conseguir consumar tais crimes e tomar as instalações protegidas pela Guarda Nacional, foi dada carta branca às quadrilhas. “Da mesma forma que nas guerras púnicas, seu ordenado era o que pudessem levar. Na verdade, receberam dinheiro e incentivo para assaltar. Os jovens delinqüentes e drogados desapareceram das esquinas, o lumpesinato estava todos contratado pela direita“, denunciou o empresário Salvador Ric, dono de uma construtora e de uma cadeia de supermercados de Santa Cruz.
Ex-ministro de Obras Públicas, Ric destacou que o racismo explicitado pela manifestação direitista reflete a concepção de seus líderes. “É evidente o caráter absolutamente discriminatório da Câmara da Indústria e Comércio e das Associações Comerciais da região, onde a cerca de dois anos só podiam presidir tais entidades cruzenhos de nascimento, como para não se deixar contaminar”, ressaltou.Nas próximas horas a marcha de milhares estará chegando a Santa Cruz, berço da reação de uma direita fascista, que não esconde sequer a identidade com o nazismo. Acobertada pela mídia venal, a reação quer sangue.
A resposta dos governos da região, expressa pela Unasul, é a defesa do respeito à democracia e à soberania da Bolívia, representadas pelo governo Evo. Há uma luta em curso onde a solidariedade internacional cumpre cada vez mais um papel fundamental. Por isso, afirmou o secretário de Relações Internacionais da CUT, João Felício, “nos próximos dias a Central Única dos Trabalhadores se fará presente com uma delegação à Bolívia, para expressar a nossa identidade com o processo de transformações que está vivendo o país, em benefício da grande maioria de seu povo”. “Somos favoráveis à integração latino-americana e contra o imperialismo. Este é o sentimento que deve nortear as nossas ações de solidariedade contra todo e qualquer intento golpista, contra toda e qualquer forma de retrocesso”, acrescentou.
*Leonardo Severo é jornalista do jornal Hora do Povo.
O que estamos vendo não é erro nem acidente. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas. Em meados do século 19, Karl Marx já havia revelado como este jogo se dá.
Por Cesar Benjamin*
As economias modernas criaram um novo conceito de riqueza. Não se trata mais de dispor de valores de uso, mas de ampliar abstrações numéricas. Busca-se obter mais quantidade do mesmo, indefinidamente. A isso os economistas chamam "comportamento racional". Dizem coisas complicadas, pois a defesa de uma estupidez exige alguma sofisticação.
Quem refletiu mais profundamente sobre essa grande transformação foi Karl Marx. Em meados do século 19, ele destacou três tendências da sociedade que então desabrochava: (a) ela seria compelida a aumentar incessantemente a massa de mercadorias, fosse pela maior capacidade de produzi-las, fosse pela transformação de mais bens, materiais ou simbólicos, em mercadoria; no limite, tudo seria transformado em mercadoria; (b) ela seria compelida a ampliar o espaço geográfico inserido no circuito mercantil, de modo que mais riquezas e mais populações dele participassem; no limite, esse espaço seria todo o planeta; (c) ela seria compelida a inventar sempre novos bens e novas necessidades; como as "necessidades do estômago" são poucas, esses novos bens e necessidades seriam, cada vez mais, bens e necessidades voltados à fantasia, que é ilimitada. Para aumentar a potência produtiva e expandir o espaço da acumulação, essa sociedade realizaria uma revolução técnica incessante. Para incluir o máximo de populações no processo mercantil, formaria um sistema-mundo. Para criar o homem portador daquelas novas necessidades em expansão, alteraria profundamente a cultura e as formas de sociabilidade. Nenhum obstáculo externo a deteria.
Havia, porém, obstáculos internos, que seriam, sucessivamente, superados e repostos. Pois, para valorizar-se, o capital precisa abandonar a sua forma preferencial, de riqueza abstrata, e passar pela produção, organizando o trabalho e encarnando-se transitoriamente em coisas e valores de uso. Só assim pode ressurgir ampliado, fechando o circuito. É um processo demorado e cheio de riscos. Muito melhor é acumular capital sem retirá-lo da condição de riqueza abstrata, fazendo o próprio dinheiro render mais dinheiro. Marx denominou D - D" essa forma de acumulação e viu que ela teria peso crescente. À medida que passasse a predominar, a instabilidade seria maior, pois a valorização sem trabalho é fictícia. E o potencial civilizatório do sistema começaria a esgotar-se: ao repudiar o trabalho e a atividade produtiva, ao afastar-se do mundo-da-vida, o impulso à acumulação não mais seria um agente organizador da sociedade.
Se não conseguisse se libertar dessa engrenagem, a humanidade correria sérios riscos, pois sua potência técnica estaria muito mais desenvolvida, mas desconectada de fins humanos. Dependendo de quais forças sociais predominassem, essa potência técnica expandida poderia ser colocada a serviço da civilização (abolindo-se os trabalhos cansativos, mecânicos e alienados, difundindo-se as atividades da cultura e do espírito) ou da barbárie (com o desemprego e a intensificação de conflitos). Maior o poder criativo, maior o poder destrutivo.
O que estamos vendo não é erro nem acidente. Ao vencer os adversários, o sistema pôde buscar a sua forma mais pura, mais plena e mais essencial, com ampla predominância da acumulação D - D". Abandonou as mediações de que necessitava no período anterior, quando contestações, internas e externas, o amarravam. Libertou-se. Floresceu. Os resultados estão aí. Mais uma vez, os Estados tentarão salvar o capitalismo da ação predatória dos capitalistas. Karl Marx manda lembranças.
*CESAR BENJAMIN, 53, editor da Editora Contraponto e doutor honoris causa da Universidade Bicentenária de Aragua (Venezuela), é autor de "Bom Combate" (Contraponto, 2006).
Fonte: Folha de S. Paulo (20/9)
Os bandos terroristas, organizados e armados pela elite racista que desrespeita o voto popular, são tratados como “comitês cívicos”, e o embaixador dos Estados Unidos, que acaba de ser expulso da Bolívia por estimular abertamente a divisão do país, é apresentado pela mídia subserviente como “negociador”
ALTAMIRO BORGES*
“Se precisar, vai ter sangue. É preciso conter o comunismo e derrubar o governo deste índio infeliz”. Jorge Chávez, líder da oligarquia racista de Tarija. “Não vejo razão pela qual se deve permitir o Chile se tornar marxista pela irresponsabilidade de seu povo”. Henry Kissinger, secretário de Estado dos EUA, poucos dias antes do golpe de 11 de setembro de 1973 que derrubou Salvador Allende.
É repugnante a cobertura que o grosso da mídia hegemônica tem dado aos trágicos confrontos na já sofrida Bolívia. Os serviçais da TV Globo tratam os chefões golpistas como “líderes cívicos” e “dirigentes regionais”. Miriam Leitão, que esbanjou valentia ao sugerir que o governo brasileiro retirasse o nosso embaixador de La Paz e enviasse tropas às fronteiras quando da estatização do petróleo, agora é toda afável com a oligarquia racista deste país. Outros “colunistas” bem pagos da mídia chegam a insinuar que a culpa pelos violentos conflitos, que já causaram oito mortes, é do presidente Evo Morales, “um radical e populista” que instigou o separatismo regional.
A manipulação é grotesca até na terminologia. No caso das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que há décadas enfrentam as oligarquias paramilitares e que foram excluídas violentamente da luta institucional no país, os guerrilheiros são estigmatizados como terroristas, narcotraficantes, bandidos. Já os bandos terroristas da Bolívia, organizados e armados pela elite racista que desrespeita o voto popular, são tratados como “comitês cívicos” e “grupos rebeldes”. O embaixador estadunidense Philip Goldberg, que acaba de ser expulso da Bolívia por estimular abertamente a divisão do país, é apresentado pela mídia subserviente como “negociador”.
A TRISTE LEMBRANÇA DO CHILE
O que está em curso na Bolívia é um golpe fascista organizado pela oligarquia local e teleguiado pelos EUA. Seus métodos terroristas lembram o ocorrido no Chile, em setembro de 1973, noutro golpe sangrento orquestrado pelo “império do mal”. Visam desestabilizar e derrubar o governo democraticamente eleito de Evo Morales, confirmado em agosto num referendo. Poucos são os veículos midiáticos e os “colunistas” que denunciam esta conspiração, talvez porque torçam pela derrota do que FHC chamou num “paper” ao governo Bush de “esquerdização da América Latina”. Como verdadeiro “partido da direita e do capital”, a mídia burguesa não tolera a democracia!
Uma das raras exceções foi o lúcido artigo de Clóvis Rossi, que há muito estava adormecido por seu rancor antiesquerda. “O que está em andamento na Bolívia é uma tentativa de golpe contra o presidente Evo Morales. Segue uma linha ideológica e táticas parecidas as que levaram ao golpe no Chile, em 1973, contra o governo de Salvador Allende, tão constitucional e legítimo quanto o de Evo Morales. Os bloqueios agora adotados nos Departamentos são uma cópia dos locautes de caminhoneiros que ajudaram a sitiar o governo Allende... Nem o governo nem a oposição no Brasil têm o direito ao silêncio”, escreveu, relembrando sua perspicácia e coragem do passado.
O CRIMINOSO PHILIP GOLDBERG
A conspiração golpista na Bolívia, acobertada pelo grosso da mídia nativa, exige rápida resposta das forças progressistas e democráticas do Brasil. Como afirmou Evo Morales, trata-se de “uma violência fascista com o objetivo de acabar com a democracia e dividir o país”. Sob o biombo da autonomia regional, governadores de cinco departamentos (estados) e abastados empresários têm financiado bandos terroristas que já assassinaram oito camponeses favoráveis ao governo eleito, saquearam prédios públicos, destruíram uma emissora estatal de televisão, sabotaram gasodutos, bloquearam rodovias e proibiram o próprio presidente de pousar em três aeroportos do país.
Segundo relatos de Marco Aurélio Weissheimer, da Carta Maior, na semana passada “grupos de jovens de setores da classe média branca, que não escondem seu sentimento racista em relação a Evo Morales, lideraram as manifestações. Capitaneados pela União Juvenil Cruzense (UJC), eles invadiram o prédio da empresa estatal de telecomunicação para ‘entregá-lo à administração do governo Rubén Costas’, de Santa Cruz. Na Televisión Boliviana/Canal 7, saquearam o escritório, destruíram computadores e fizeram uma fogueira na entrada do prédio”. Além de Santa Cruz, as ações terroristas ocorrem em outros quatro departamentos – Beni, Pando, Tarija e Chuquisaca.
Os EUA estão diretamente metidos no complô. O embaixador Philip Goldberg já foi fotografado em eventos da União Juvenil Cruzense (UJC), grupo terrorista de Santa Cruz que utiliza o slogan “terminemos com os ‘collas’ [indígenas], raça maldita”. A embaixada ianque até contratou vários destes bandidos. Goldberg é um fascista convicto. Como embaixador dos EUA na ex-Iugoslávia, ele orquestrou a crise no Kosovo e a sangrenta guerra civil separatista naquele país. Declarado persona non grata, ele finalmente foi expulso da Bolívia. “Não queremos aqui gente separatista, divisionista, que conspira contra a unidade do país”, justificou o presidente Evo Morales.
INTENSIFICAR A SOLIDARIEDADE
O governo, mesmo aberto ao diálogo, não tem se submetido à pressão dos golpistas, que exigem a anulação da nova Constituição e do referendo que aprovou a manutenção do mandato de Evo Morales. Ocorrido em 10 de agosto, por demanda da própria oposição, o referendo confirmou a força do atual presidente. Evo foi ratificado em 95 das 112 províncias do país e, apesar do caos promovido pelos golpistas, teve mais votos do que na eleição presidencial – obteve 67,41% dos votos, bem acima dos 53,3% em 2005. Sua votação cresceu em oito dos nove departamentos e o referendo ainda revogou o mandato de dois governadores ligados às oligarquias racistas.
Desesperada, a elite investe no terrorismo e esbarra na resistência do governo e do povo. “Vamos agir com serenidade, mas também com firmeza”, diz Alfredo Rada, ministro da Defesa. Walker Sam Miguel, ministro do Interior, garante que “os fascistas não passarão”. O governo já decretou estado de sítio, ameaça deter os chefes terroristas e acionou tropas do exército nos departamentos para garantir o fornecimento de gás e a ordem pública. A derrota dos fascistas, porém, exige o apoio dos governos e dos movimentos sociais na América Latina. O que está em jogo é o avanço da democracia, é a derrota das oligarquias, do “império do mal” e da mídia mentirosa.
*Jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB - Partido Comunista do Brasil, autor do livro “Sindicalismo, resistência e alternativas” (Editora Anita Garibaldi).