Friday, June 26, 2009

Escândalos de prateleira


LUIS NASSIF (*)

Já escrevi algumas vezes sobre o modelo político-midiático brasileiro. Esse episódio do Senado vem apenas comprovar.

Tem-se um escândalo de 14 anos. Nesse período todo, o Senado foi coberto diariamente por jornalistas especializados dos principais jornais. Segundo o Estadão de hoje, os atos secretos beneficiaram 37 senadores, entre os quais o Pedro Simon, Demóstenes Torres, além de Renan, Sarney e companheiros, Delcídio e Augusto Botelho, do PT.

Esses episódios, além dos esquemas de terceirizações da casa (a propósito, investiguem como são as terceirizações em todos os grandes órgãos públicos federais e estaduais) são velhos conhecidos dos jornalistas.

Mas ficam pendentes, não são usados enquanto não têm utilidade. Quando interessa ao jogo político da mídia, vai-se na gôndola do Supermercado de Escândalos e saca-se aquele que melhor se adequa ao momento. Neste caso específico, o objetivo evidente não é o de moralizar a casa, caso contrário não teriam deixado passar em branco 14 anos de irregularidades: é desestabilizar politicamente o país.

Significa que Sarney deve ser poupado? Longe disso. Mas ele foi atacado pela Polícia Federal ligada a José Serra na Operação que flagrou os recursos de campanha de Roseana Sarney - porque interessava à candidatura  Serra. Depois, poupado do escândalo Cemar, porque na outra ponta os beneficiários eram grandes fundos de investimento. Foi inicialmente poupado no caso Gautama, porque naquele momento atirar nele não interessava a ninguém. Está sendo atacado de todas as formas agora, inclusive pelo caso Gautama, porque interessa à candidatura Serra.

Não interessa discutir mudanças radicais que eliminem de vez essas aberrações e essa falta de controle.Esses escândalos reiterados são a pulguinha no umbigo do fazendeiro (lembrando a história do médico que formou o filho graças à pulguinha que atormentava o fazendeiro, seu cliente e que, por isso mesmo, não poderia ser morta).

São características que fortalecem a mídia, que lhes dá poder. Essas aberrações institucionais permitem ao editor escolher o caso que quiser, escândalo grande, pequeno ou factóide, e dar-lhe o tratamento que desejar. E, como disse o diretor de redação do Estadão, a edição é um dos pressupostos da liberdade de imprensa.

Se submetida à mesma lente, por exemplo, não escaparia a Assembleia Legislativa de São Paulo, a Câmara de Vereadores, os serviços terceirizados. E, provavelmente, de nenhum outro estado. Mas são escândalos potenciais, que ficam na gôndola aguardando o momento que mais interessar ao jornal. Ou, como uma espada de Dâmocles sobre os governantes, tornando-os mais permeáveis, por exemplo, à venda de publicações pagas com as verbas da Educação - o novo grande veio descoberto pelos grandes grupos de mídia.

Evidentemente não tem santo nessa história. Mas, se tivesse que colocar alguma hierarquia, não incluiria os senadores no início da fila.

(*) Extraído do blog do jornalista

A mão (quase) invisível de Washington

 

O jornalista colombiano Hernando Calvo Ospina faz um relato documentado do papel das “fundações” na política imperialista norte-americana, após os escândalos da CIA em 1975. Em especial, mostra como a “Fundação Nacional para a Democracia” tem atuado em outros países, canalizando dinheiro e assistência para a mídia, ONGs e “movimentos dissidentes” para desestabilizar governos, atacar processos eleitorais e preparar o terreno para golpes de Estado. Este artigo, bastante atual, foi publicado originalmente no Le Monde Diplomatique, em 2007

HERNANDO CALVO OSPINA *

Uma grande parte do que fazemos hoje, a CIA fazia clandestinamente há 25 anos [1]”. Allen Weinstein é o nome do homem cuja confissão surpreendente foi publicada no “Washington Post”, em 22 de setembro de 1991.

Historiador, ele foi o primeiro presidente do National Endowment for Democracy (NED) (Fundação Nacional para a Democracia), uma associação norte-americana sem fins lucrativos com objetivos declarados particularmente virtuosos: promover os direitos do homem e da democracia. É, no entanto, dela que ele fala nessa declaração. A NED não existia quando, quinze anos antes, o mesmo jornal revelou, em 26 de fevereiro de 1967, um escândalo de repercussão internacional: a Agência Central de Inteligência (CIA) financiou, no exterior, sindicatos, organizações culturais, grupos midiáticos e intelectuais. O artigo também revelou como o dinheiro chegava até eles.

Como, mais tarde, Philip Agee — ex-oficial da agência — confirmaria, “a CIA se abastece de fundações norte-americanas conhecidas e, também, de outras entidades criadas com o mesmo objetivo que não existem no papel” [2].

À época, para reduzir a pressão, o presidente Lyndon Johnson pediu a abertura de um inquérito, mesmo sabendo que, desde sua criação em 1947, a CIA é comandada por esse tipo de atividade. “Nossos políticos recorreram a ações secretas para enviar conselheiros, equipamentos e fundos com o intuito de sustentar grupos midiáticos e partidos políticos na Europa, já que, mesmo depois da II Guerra Mundial, nossos aliados continuavam sofrendo ameaças políticas [3]”. No início da Guerra Fria tratava-se de combater a “influência ideológica” da União Soviética.

Em alguns casos, as organizações financiadas conseguiram enfraquecer ou eliminar opositores aos governos aliados de Washington. Ao mesmo tempo, criaram espaços favoráveis aos interesses norte-americanos. O trabalho também foi posto a serviço de golpes de Estado, como, no Brasil, contra o presidente João Goulart, em 1964. A derrubada do presidente chileno Salvador Allende, em setembro de 1973, provaria que Lyndon Johnson não havia posto fim às atividades ilegais da CIA. “Para preparar o terreno para os militares, financiamos e canalizamos as forças de importantes organizações da ‘sociedade civil’ e da mídia. Foi uma cópia melhorada do golpe de Estado no Brasil”.

UMA ORGANIZAÇÃO MAIS REFINADA

A partir de 1975, a CIA foi novamente objeto de uma investigação do Senado dos Estados Unidos, principalmente por envolvimento em complôs e crimes perpetrados contra diversos dirigentes políticos no mundo todo (Patrice Lumumba, Fidel Castro, Salvador Allende). Paralelamente, o avanço alcançado por movimentos revolucionários na África e na América Latina obrigava Washington a constatar que, se o trabalho de infiltração em organizações da “sociedade civil” continuava decisivo, a via utilizada não era a melhor. Recorde-se que, “para levar a batalha ideológica pelo mundo, o governo Johnson recomendou pôr em marcha um ‘mecanismo público-privado’ destinado a financiar abertamente atividades no exterior [4]]”.

Foi assim que surgiu, em 1979, a American Political Foundation (APF) (Fundação Política Americana), soma de esforços dos partidos Democrata e Republicano, dirigentes sindicalistas e patrões, acadêmicos conservadores e instituições ligadas a relações internacionais. O modelo foi importado da Alemanha Ocidental, onde as fundações dos quatro principais partidos [5] –conhecidos sob o nome de “Stiftung” – eram, desde o pós-guerra, financiados pelo governo, como instrumentos da Guerra Fria. Em particular, a Fundação Konrad Adenauer, ligada ao partido União Democrata Cristã (CDU).

Em 14 de janeiro de 1983, o presidente Ronald Reagan assinou a medida secreta NSDD-77. Por meio dela, pedia a criação do que havia anunciado em discurso diante do Parlamento britânico em 8 de junho de 1982: uma “infra-estrutura” para “melhor contribuir para a campanha global pela democracia” [6]]. O decreto sinalizava que para tanto seria necessário “coordenar de maneira rigorosa os esforços em política exterior — diplomática, econômica e militar, além de manter proximidade com os seguintes setores da sociedade norte-americana: trabalho, negócios, universidades, filantropia, partidos políticos, imprensa [...]”.

Sem mencionar o decreto, Reagan apresentou ao Congresso uma proposta da AFP intitulada “The Democracy Program”. Em 23 de novembro de 1983, uma lei aprovou a criação do National Endowment for Democracy (NED). Em 16 de dezembro, durante a “cerimônia” organizada para a ocasião na Casa Branca, o presidente declarou: “Este programa não ficará na sombra. Ele se afirmará com orgulho sob a luz dos holofotes. E, por certo, será coerente com nossos interesses nacionais [7]]”.

QUATRO FUNDAÇÕES

Quatro organizações constituíam a base da NED e eram responsáveis por sua gestão. O Free Trade Union Institute (FTUI) – braço da central sindical AFL-CIO, que adotou em seguida o nome American Center for International Labor Solidarity (ACILS) – já existia antes da NED. As outras três foram criadas ad hoc: o Center for International Private Enterprise (Cipe) da Câmara do Comércio; o International Republican Institute (IRI), do partido Republicano; e o National Democratic Institute (NDI), do partido Democrata.

Ainda que fosse, juridicamente, uma associação privada, a NED estava presente no orçamento do Departamento de Estado (embora seu financiamento fosse submetido à aprovação do Congresso). O governo isentava-se oficialmente de toda responsabilidade [8]. Mas esse estatuto tinha uma outra vantagem estratégica. Para o ex-funcionário do Departamento de Estado William Blum, as organizações “não governamentais fazem parte da imagem e do mito. Contribuem para manter, no exterior, um nível de credibilidade que uma agência oficial não poderia atingir” [9].

Em outubro de 1986, estourou o escândalo que fez o governo Reagan balançar: o financiamento ilegal da luta contra o governo sandinista da Nicarágua organizava-se a partir da Casa Branca, principalmente graças ao tráfico de cocaína. Coincidência: coordenada pelo coronel Oliver North, sob a direção do Conselho Nacional de Segurança (NSC), toda a estrutura se denominava “The Democracy Program”. A NED teve um papel de primeiro escalão na operação [10]. Estranhamente, a investigação concentrou-se no financiamento do aparato militar dos contra-revolucionários nicaragüenses – os “contra” – e se ocupou menos dessa organização “não-governamental”, que, no entanto, era financiada desde sua criação, e até 1987, por Walter Raymond, alto funcionário da CIA e membro do diretório de informações do NSC.

“Filha do Projeto Democracia de Ronald Reagan, a NED financiou numerosos grupos latino-americanos, como a Fundação Nacional Cubano-Americana (FNCA) [11]”, afirmou Jorge Mas Canosa, então presidente da FNCA, organização anti-Castro extremista criada pelo NSC à mesma época que a NED. Com o slogan “A liberdade de Cuba passa pela Nicarágua”, a FNCA posicionou-se contra os sandinistas. “Essa organização surgiu quando Theodore Shackley, ex-assistente na direção de operações da CIA e chefe da seção de serviços clandestinos, pediu aos membros da fundação apoio político na América Central”.

APÓS A GUERRA FRIA

Foi em 1987, em pleno escândalo, que a NED começou a agir. Seus dólares permitiram a constituição da frente de organizações anti-sandinistas, inclusive a Comissão Permanente dos Direitos do Homem (nicaragüense). Graças ao apoio, Violeta Chamorro, candidata de Washington e proprietária do jornal “independente” “La Prensa”, chegaria à presidência em 1990. Todas as ações dos sandinistas a favor da população se desmancharam com a adoção do modelo neoliberal.

O talento que a NED tinha para dirigir e orientar fundos, criar ONGs, organizar manipulações eleitorais e intoxicações midiáticas devia-se em grande parte à experiência da CIA, ao setor de cooperação do Departamento de Estado (Usaid) e a numerosas personalidades da “elite” conservadora ligadas à política exterior dos Estados Unidos [12]. Estratégias terroristas à parte, o governo Reagan utilizaria os mesmos métodos em países socialistas da Europa Oriental, “cruzada não-governamental pelos direitos do homem e da democracia, nem tão imperialista já que considerada apta para responder às necessidades dos dissidentes e reformadores do mundo inteiro [13]”.

Nos países do “socialismo real”, a distância entre governantes e governados facilitava o trabalho da NED e sua rede de organizações, que fabricavam milhares de “dissidentes” graças aos dólares e à publicidade. Uma vez obtida a mudança, a maioria deles desaparecia sem alarde, assim como suas organizações.

Entre as vitórias históricas reivindicadas, figura a Polônia. Em 1984, a NED já distribuía “ajuda direta” para criar sindicatos, jornais e grupos de defesa dos direitos humanos. Todos, não é preciso dizer, “independentes”. Para a campanha presidencial de 1989, a NED ofereceu US$ 2,5 milhões ao movimento Solidariedade, dirigido por Lech Walesa, que naquele ano chegou ao poder como aliado poderoso de Washington [14]].

Se a NED foi concebida no quadro do arsenal norte-americano da Guerra Fria, o desmanche do bloco socialista europeu foi o preâmbulo para sua expansão planetária. Desde então, graças aos dólares e a alguns “especialistas”, ela soube se envolver em processos sociais, econômicos e políticos de cerca de noventa países da África, América Latina, Ásia e Europa Oriental. Atrapalhar eleições é, como diz o pesquisador Gerald Sussman, “muito importante para atingir os objetivos globais dos Estados Unidos”. A NED e outras organizações norte-americanas se apresentaram como participantes da “construção da democracia”. Enquanto isso, sublinha Sussman, se “elas agem efetivamente de maneira menos brutal que a CIA até 1970, as formas de manipulação eleitoral utilizadas por elas ainda hoje são demonstrações de encenação moral e dramaturgia política” [15].

CUBA E VENEZUELA

Ao longo das eleições de 1990 no Haiti, a NED investiu cerca de US$ 36 milhões para apoiar o candidato Marc Bazin, ex-funcionário do Banco Mundial. Apesar da ajuda, foi Jean-Bertrand Aristide que saiu vencedor. Ele seria deposto, em 29 de setembro de 1991, após uma campanha midiática, também financiada pela NED e o Usaid. A ditadura que se instalou logo depois deixaria 4 mil mortos.

Ao longo de seus primeiros dez anos de existência, “a NED distribuiu US$ 200 milhões a 1.500 projetos para apoiar os amigos da América” [16]. Desde 1998, a NED passou a prestar muita atenção na Venezuela. “É uma operação silenciosa contra a revolução bolivariana. Começou com o presidente [Bill] Clinton e se intensificou com George W. Bush. É muito parecida com as ações empreendidas contra os sandinistas, mas por enquanto sem terrorismo nem embargo econômico. Pretende: ‘promover a democracia, resolver os conflitos, monitorar as eleições e reforçar a vida civil’”, acredita Agee. A advogada norte-americana Eva Golinger descobriu em documentos oficiais que, entre 2001 e 2006, mais de US$ 20 milhões foram remetidos pela NED e o Usaid a grupos de oposição e à mídia privada venezuelanos [17]. O “New York Times” revelara, em 25 de abril de 2002 — dias depois do golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez —, que o orçamento da NED destinado à Venezuela havia quadruplicado alguns meses antes da tentativa de golpe, por ordem do Congresso norte-americano.

Foi, no entanto, na luta contra o regime cubano que a NED mostrou mais firmeza. Ao longo dos últimos 20 anos, ela teria investido cerca de US$ 20 milhões para promover a “transição democrática” no país, sem contar os US$ 65 milhões gastos pelo Usaid desde 1996. Washington insiste na utilidade absoluta de eleições “democráticas”, mas, da lei Torricelli (Cuban Democracy Act, 1992) à lei Helms-Burton (Cuban Liberty and Democratic Solidarity Act, 1992) e à Comissão de Assistência a uma Cuba Livre, os textos oficiais precisam claramente que os governantes devem lhes convir. A quase totalidade dos fundos permanece nas mãos de organizações contra-revolucionárias nos Estados Unidos e na Europa. Os governos polonês, romeno e tcheco, principalmente, recebem boa parte desse financiamento, desde que levem adiante a pressão internacional exercida sobre Cuba. Só em 2005, a NED repassou US$ 2,4 milhões a esses países [18].

Eleições e negócios devem andar de mãos dadas. É assim que Washington imagina a democracia. Em 20 de janeiro de 2004, o presidente George W. Bush anunciou, durante seu discurso do Estado da União, que pediria ao Congresso que duplicasse o orçamento da NED para que ela inove em esforços na “promoção de eleições livres, no livre comércio, na liberdade de imprensa e a liberdade sindical no Oriente Médio”. Significa que o esforço ideológico acompanha a ação militar. Nessa região do mundo, a presença da NED era, até então, mínima. Em 2003, sua rede se instalou no Afeganistão. Em seu site na internet, o órgão disse que decidiu “estabelecer e reforçar o comércio para ajudar a construir a democracia e a economia de mercado”. Para preparar o terreno, ela fornece “ajuda a toda uma série de ONGs nascentes”.

“LIBERDADE DE INVESTIMENTO”

Com objetivos semelhantes, outras ONGs são financiadas no Iraque, principalmente no norte do país ocupado. Como em outras regiões, as organizações locais sustentadas pela NED tornam-se rapidamente dependentes e, sob a bandeira da “luta pela democracia”, passam a trabalhar para um sistema cujos interesses raramente coincidem com os da população.

Uma vez por ano, quando é feito um pedido, o presidente da NED deve prestar contas ao Comitê de Relações Exteriores do Congresso norte-americano, um caso único para uma “organização não-governamental”. Em 8 de junho de 2006, Carl Gershman (presidente da NED desde abril de 1984) lembrou a urgência de aumentar o orçamento da “ajuda à democracia”. Ele sustenta que na Rússia, Bielo-rússia, Uzbequistão, Venezuela e Egito, as ONGs precisam de recursos suplementares porque enfrentam governos “semi-autoritários”. Em 7 de dezembro, ele fará praticamente o mesmo discurso diante do Parlamento Europeu, durante a conferência “Democracy Promotion: The European Way” (Promoção da Democracia: o Modo Europeu).

Modelada por William Blum, a filosofia da NED repousa sobre a idéia de que as sociedades funcionam melhor “com a imprensa livre, a cooperação de classes, [...], um intervencionismo mínimo do governo na economia [...]. A economia de mercado é igualada à democracia, às reformas e ao crescimento; ela ressalta os méritos dos investimentos estrangeiros. [...] Os relatórios da NED insistem na ‘democracia’, mas trata-se apenas de procedimentos democráticos mínimos, não de uma democracia econômica, já que nada deve ameaçar os poderes estabelecidos [...]. Em suma, os programas da NED estão em harmonia com as necessidades e os objetivos fundamentais da globalização econômica e da nova ordem internacional”.

Diante da Assembléia Geral das Nações Unidas em setembro de 1989, o presidente George Bush pai afirmara que o desafio do “mundo livre” era consolidar as “fundações da liberdade”. No ano anterior, o Parlamento canadense, apoiado por Washington, havia criado uma fundação parecida com a NED, que levou o nome de “Rights & Democracy” (direitos e democracia). Em 1992, sob o mesmo modelo, o Parlamento britânico tornou oficial a Westminster Foundation for Democracy (Fundação Westminster para a Democracia). Depois foi a vez da Suécia com o Swedish International Liberal Centre (Centro Liberal Sueco Internacional), dos Países Baixos – Fundação Alfred Mozer –, e da França – Fundação Robert Schuman e Jean Jaurès (ligada ao Partido Socialista). A rede de fundações da NED tomava forma.

“TRANSFERIR AÇÕES DETESTÁVEIS DA CIA”

É nesse quadro que se cria o “Democracy Projects Database” (Banco de Dados de Projetos de Democracia), que coordenou “por volta de 6.000 projetos” de ONGs pelo mundo. A NED é também o coração da Network of Democracy Research Institutes (Rede de Institutos de Pesquisa da Democracia), da qual participam “as instituições independentes ligadas a partidos políticos, universidades, sindicatos e movimentos pela democracia e pelos direitos humanos”. Seu objetivo é facilitar o contato “entre os eruditos e os militantes da democracia”. Por outro lado, a NED abriga o secretariado do Center for International Media Assistance, “um projeto que se propõe a reunir um certo número de especialistas em mídia com o objetivo de reforçar o apoio à imprensa livre e independente no mundo” [19]].

No site oficial do Departamento de Estado na internet, Gershman declara que todas essas fundações, pessoas e organizações convergem para a “criação de um movimento pró-democracia”. Uma “rede de redes”, cujo centro é constituído pela NED. Outras fundações associaram-se ao projeto: a Fundação Friedrich Ebert, da Alemanha, o Olof Palme Internazionella Centrum, da Suécia, o Karl Renner Institut, da Áustria, a Fundação Pablo Iglesias, ligada ao Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE).

Em 1996, para justificar o aumento do orçamento da NED, um relatório particularmente “esclarecedor” foi submetido ao Congresso: “A guerra global das idéias chegava ao clímax. Os Estados Unidos não podiam se permitir a renúncia a um instrumento de tamanha eficácia em política externa numa época em que seus interesses e seus valores sofriam um potente ataque ideológico de numerosas forças antidemocráticas do mundo. Continuavam ameaçados por regimes comunistas tenazes, por neocomunistas, por ditadores agressivos, por nacionalistas radicais e fundamentalistas islâmicos. Nessas condições, os Estados Unidos não podiam abandonar o campo de batalha ideológico aos inimigos de uma sociedade livre e aberta. A NED precisava de um financiamento contínuo, que constituísse um investimento prudente para garantir o futuro [20]”. Três anos depois, Benjamin Gilman, presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos Representantes, retomava, com o mesmo objetivo, a maior parte dos elementos desse relatório.

Democracia, eleições livres, liberdade de expressão. O que William Blum traduz assim: “Tudo o que fizemos foi transferir numerosas atividades detestáveis da CIA a uma nova organização cujo nome soa bem. A criação da NED foi uma obra-prima política, de relações públicas e de cinismo” [21]. 

NOTAS:

[1] The Washington Post, 22 de setembro de 1991.

[2] Entrevista com o autor, 2005. Ver também conferência de Philip Agee: http://www.rebelion.org/cuba/030919agee.pdf

[3] Sobre o trabalho da CIA junto aos intelectuais, ver Frances Stonor Sanders, Who Paid the Paper? The CIA and the Cultural Cold War, Granta Books, Londres, 2000. Ver também: http://www.ned.org/about/nedhistory.html.

[4] [Leia mais - >http://www.ned.org/about/nedhistory.html

[5] Friedrich Ebert Stiftung, dos Social-Democratas (SPD); Konrad Adenauer Stiftung, dos Cristãos Democratas (CDU); Hanns-Seidel, da l’Union Cristã-Social (CSU); e Friedrich-Naumann Stiftung para os liberais (FDP).

[6] [Leia mais - >http://www.ned.org/about/reagan-060882.html

[7] [Leia mais->http://www.ned.org/about/reagan-121683.html

[8] “A NED não seria considerada uma agência ou emanação do governo dos Estados Unidos”, diz um trecho do ato do Congresso que criou a NED.

[9] William Blum, Rogue State, Ed. Common Courage Press, Monroe, 2000.

[10] The New York Times e The Washington Post. 15 e 16 de fevereiro de 1987

[11] Álvaro Vargas Llosa, El Exilio Indomable, Ed. Espasa, Madri, 1998.

[12] Entre elas: Allen Weinstein, Dante Fascell, Elliot Abrams, Richard Allen, John Negroponte, Jeane Kirkpatrick, John Bolton, Otto Reich, o general Wesley K. Clark, John Richardson, William Middendorf, Frank Carlucci, Francis Fukuyama.

[13] Nicolas Guilhot, “Le National Endowment for Democracy”, Actes de la recherche en sciences sociales, n° 139, Paris, setembro 2001.

[14] A NED mostra aqui algumas de suas ações de financiamento, seja de forma direta ou pela intermediação da CIPE, IRI, NDI ou do braço AFL-CIO. [Ver->http://www.ned.org/about/nedTimeline.html

[15] Gerald Sussman, “The Myths of ‘Democracy Assistance’: U.S. Political Intervention in Post-Soviet Eastern Europe”, Monthly Review, volume 58, n° 7, New York, dezembro de 2006.

[16] Nicolas Guilhot, ibid.

[17] Eva Golinger, Code Chávez. CIA contre Venezuela, Ed. Oser dire, Esch-sur-Alzette, Luxembourg, 2006.

[18] “Les USA financent des groupes anticastristes à l’étranger ”, Associated Press, 29 de dezembro de 2006.

[19] [Leia mais->http://www.ned.org/about/cima.html

[20] “The Endowment for Democracy: a prudent investment in the future.” James Phillips e Kim R. Holmes, Foreign Policy and Defense Studies, The Heritage Foundation, Executive Memorandum No. 461, 13 de setembro de 1996.

[21] William Blum, op.cit.

(*) Jornalista colombiano, autor, entre outros, de Salsa, Don Pablo Escobar, Perú: los senderos posibles, Terrorismo y otros maleficios, Disidentes o mercenarios? e Ron Bacardí: la guerra oculta.