Wednesday, October 07, 2009

A imprensa diária está morrendo?

 

 

O que é que agrava tão letalmente a velha decadência da imprensa escrita quotidiana? Um fator conjuntural: a crise econômica global que provoca a redução da publicidade e a restrição do crédito. E que, no momento mais inoportuno, se veio somar aos males estruturais do setor: a mercantilização da informação, o apego à publicidade, a perda de credibilidade, a queda de subscritores, a competência da imprensa gratuita, o envelhecimento dos leitores... Dezenas de diários estão em queda. Nos Estados Unidos já fecharam pelo menos cento e vinte. E o tsunami golpeia agora a Europa. O artigo é de Ignácio Ramonet.

Ignácio Ramonet

O desastre é enorme. Dezenas de diários estão em queda. Nos Estados Unidos já fecharam pelo menos cento e vinte. E o tsunami golpeia agora a Europa. Nem sequer se salvam os outrora considerados "jornais de referência": El País em Espanha, Le Monde em França, The Times e The Independent no Reino Unido, Corriere della Sera e La Repubblica em Itália, etc.
Todos eles acumulam fortes perdas económicas, baixa da difusão e queda da publicidade (1).
O prestigiado New York Times teve que solicitar a ajuda do milionário mexicano Carlos Slim; a empresa editora de The Chicago Tribune e de Los Angeles Times, assim como a Hearst Corporation, dona do San Francisco Chronicle, caíram na bancarrota; News Corp, o poderoso grupo multimédia de Rupert Murdoch que publica o Wall Street Journal, apresentou perdas anuais de 2.500 milhões de euros...
Para cortar despesas, muitas publicações estão reduzindo o número de páginas; o Washington Post fechou o seu prestigiado suplemento literário Bookworld; o Christian Science Monitor decidiu suprimir a sua edição em papel e existir só na Internet; o Financial Times propõe semanas de três dias aos seus redatores e reduziu drasticamente o número de trabalhadores. As demissões são em massa. Desde janeiro de 2008 foram suprimidos 21.000 empregos nos jornais norte-americanos. Em Espanha, "entre Junho de 2008 e Abril de 2009, 2.221 jornalistas perderam o seu posto de trabalho" (2).
A imprensa diária escrita encontra-se à beira do precipício e procura desesperadamente fórmulas para sobreviver. Alguns analistas consideram obsoleto esse modo de informação. Michael Wolf, da Newser, prevê que 80% dos diários norte-americanos desaparecerão (3). Mais pessimista, Rupert Murdoch prevê que, na próxima década, todos os diários deixarão de existir...
O que é que agrava tão letalmente a velha decadência da imprensa escrita quotidiana? Um fator conjuntural: a crise econômica global que provoca a redução da publicidade e a restrição do crédito. E que, no momento mais inoportuno, se veio somar aos males estruturais do setor: a mercantilização da informação, o apego à publicidade, a perda de credibilidade, a queda de subscritores, a competência da imprensa gratuita, o envelhecimento dos leitores...
Na América Latina acrescenta-se a isto as necessárias reformas democráticas empreendidas por alguns governos (Argentina, Equador, Bolívia, Venezuela) contra os "latifúndios midiáticos" de grupos privados em situação de monopólio. Esses grupos desencadearam, contra esses governos e os seus presidentes, uma campanha de calúnias difundidas pelos rancorosos meios de comunicação dominantes e pelos seus cúmplices habituais (na Espanha: o diário El País, que passou a atacar o primeiro ministro José Luis Rodriguez Zapatero) (4).
A imprensa diária continua a praticar um modelo econômico e industrial que não funciona. O recurso à construção de grandes grupos multimídia internacionais, como aconteceu nos anos 1980 e 1990, já não não serve perante a proliferação dos novos meios de difusão da informação e do lazer, pela Internet ou pelos telemóveis (5).
Paradoxalmente, nunca os diários tiveram tanta audiência como atualmente. Com a Internet, o número de leitores cresceu de forma exponencial (6). Mas a articulação com a Rede continua a falhar. Porque estabelece uma injustiça ao obrigar o leitor do quiosque, o que compra o diário, a subsidiar o leitor da tela que lê gratuitamente a edição digital (mais extensa e agradável). E porque a publicidade da versão web não compensa, ao ser muito mais barata que na versão de papel (7). Perdas e ganhos não se equilibram.
Caminhando às cegas, os jornais procuram desesperadamente fórmulas para enfrentar a hiper-mudança e sobreviver. Seguindo o exemplo do iTunes, alguns pedem micro-pagamentos aos seus leitores para deixá-los aceder em exclusivo às informações online (8). Rupert Murdoch decidiu que, a partir de Janeiro de 2010, exigirá pagamento por qualquer consulta do Wall Street Journal mediante qualquer tecnologia, sejam os telefones Blackberry ou iPhone, Twitter ou o leitor electrónico Kindle. O motor de busca Google está pensando numa receita que lhe permita cobrar por toda a leitura de qualquer diário digital e reverter uma parte à empresa editora.
Bastarão essas medidas para salvar o doente terminal? Poucos acreditam nisso (leia-se o artigo de Serge Halimi "O combate do Le Monde Diplomatique"). Porque a tudo o que se disse acima soma-se o mais preocupante: a perda da credibilidade. A obsessão atual dos diários pelo imediatismo leva-os a multiplicar os erros. O demagógico apelo ao "leitor jornalista" para que coloque na web do seu jornal o seu blog, as suas fotos ou os seus vídeos, aumenta o risco de difundir erros. E adotar a defesa da estratégia da empresa como linha editorial (coisa que hoje fazem os diários dominantes) conduz à imposição de uma leitura subjectiva, arbitrária e partidária da informação.
Frente aos novos "pecados capitais" do jornalismo, os cidadãos sentem-se vulneráveis nos seus direitos. Sabem que dispor de informação fiável e de qualidade é mais importante que nunca. Para eles e para a democracia. E interrogam-se: Onde procurar a verdade? Os nossos leitores assíduos conhecem (uma parte de) a resposta: na imprensa realmente independente e crítica; e obviamente, nas páginas do Le Monde Diplomatique.
Artigo publicado em rebelion.org, traduzido para o português por Carlos Santos, do site Esquerda.Net.
Notas:
(1) Inés Hayes, "En quiebra los principales diarios del mundo", América XXI, Caracas, Abril de 2009.
(2) Segundo a Federação de Associações de Jornalistas de Espanha, Madrid, 13 de Abril de 2009.
(3) The Washington Post, 21 de Abril de 2009.
(4) Sobre os ataques de El País contra Zapatero, leia-se Doreen Carvajal, "El País in Rare Break With Socialist Leader", The New York Times, 13 de Setembro de 2009. Versão em espanhol: internautas.org
(5) Luis Hernández Navarro, "La crisis de la prensa escrita", La Jornada, México, 3 de Março de 2009.
(6) Leia-se o informe: "Newspapers in Crisis": emarketer.com
(7) Em 2008, la audiência do New York Times na Internet foi dez vezes superior à da sua edição impressa, mas os seus ganhos em publicidade na Rede foram dez vezes inferiores aos da edição de papel.
(8) Leia-se: Gordon Crovitz, "El futuro de los diarios en Internet", La Nación, Buenos Aires, 15 de Agosto de 2009, e El País, Madrid, 11 de Setembro de 2009.

Friday, October 02, 2009

Viva o Povo Brasileiro

!!PARABÉNS RIO DE JANEIRO!!

PARABÉNS BRASIL!

A OLIMPÍADA DE 2016 É NOSSA!!!

RIO2016 (2) 

RIO 2016

Monday, September 21, 2009

O pré-sal é nosso

Claudio Scherer (*)

Que sejam suspensos, definitivamente, os leilões de blocos da plataforma marítima brasileira para prospecção de petróleo; que uma nova lei devolva à Petrobras o monopólio para extração de petróleo e gás natural

O Pré-Sal é uma jazida petrolífera com 800 quilômetros de extensão e 200 quilômetros de junto à costa brasileira, que se estende do Espírito Santo a Santa Catarina. Chama-se ‘Pré-Sal’ porque, nas eras geológicas, formou-se antes (por isso está abaixo) da formação de uma camada de sal, no fundo do mar, de aproximadamente 2 quilômetros de espessura. Há 160 milhões de anos a África e a América do Sul formavam um único continente, quando uma fissura geológica iniciou o processo de separação. Os rios que desaguavam no novo mar levavam consigo grande quantidade de matéria orgânica que, em milhões de anos, juntou-se a uma grossa camada de sal formada por sedimentação e transformou-se em petróleo. Os continentes continuaram se afastando e levando consigo as faixas ricas em petróleo, uma na costa brasileira e outra na costa da África.

Estima-se em 1,1 trilhões de barris o petróleo existente nas jazidas petrolíferas conhecidas no mundo. Uma estimativa bastante conservadora atribui ao Pré-Sal brasileiro um volume de 90 bilhões de barris, ou seja, 9% do petróleo mundial. As jazidas brasileiras na camada ‘Pós-Sal’ (convencionais) e terrestres são estimadas em 14 bilhões de barris, ou seja, a descoberta do Pré-Sal multiplica por sete as reservas petrolíferas brasileiras. Considerando reservas por país, o Brasil fica em quarto lugar, atrás apenas da Arábia Saudita, do Irã e do Iraque. Metade da matriz energética mundial é baseada em petróleo (óleo e gás), além de alguns milhares de produtos industrializados que são produzidos a partir do petróleo.

O consumo de petróleo aumenta ano a ano, numa taxa quatro vezes maior que a descoberta de novas jazidas, podendo-se prever que, se não houver uma drástica mudança na voracidade consumista, em poucos anos a produção ficará muito abaixo da demanda. O maior consumidor mundial de petróleo são os Estados Unidos, que consomem 10 bilhões de barris por ano, dos quais 70% são importados, enquanto suas reservas são de apenas 29 bilhões de barris. É preocupante o fato de a 4ª Frota da Marinha Americana ser reativada logo após a descoberta do Pré-Sal e estar visitando a costa brasileira. Com a previsível redução na produção mundial de petróleo e gás natural e o aumento da demanda, os preços, logicamente, aumentarão assustadoramente.

Na década de 1940, os nacionalistas criaram o mote ‘O petróleo é nosso’, e em 1953, no Governo Vargas, foi criada a empresa ‘Petróleos Brasileiros S.A.’, a Petrobras, que, por lei, passou a deter o monopólio para pesquisa, prospecção, extração e refino do petróleo. Em 1997, a lei 9478/97, no governo de Fernando Henrique, terminou com o monopólio da Petrobras, permitindo que empresas estrangeiras prospectem e extraiam petróleo, tendo apenas que pagar taxas à União, que variam conforme o montante extraído (10% a 40%). Atualmente, a média paga pelas empresas é de 18%, muito abaixo da média mundial, que é de 84%. No caso do petróleo do Pré-Sal, embora o custo de extração seja alto, o risco da prospecção é nulo. Nos 11 poços perfurados pela Petrobras até hoje o sucesso atingiu 100%.

Ainda no governo Fernando Henrique o mar territorial brasileiro foi dividido em grandes blocos para serem leiloados às empresas que se dispusessem a prospectar petróleo por sua conta e risco (contratos de risco). Recentemente teria havido o 9º leilão, que, felizmente, foi suspenso pelo presidente Lula quando soube da descoberta do Pré-Sal.

Urge, portanto, que a lei seja modificada. É claro que o lobby do capital estrangeiro será muito forte, no sentido de manter os privilégios das empresas. Para contrapô-lo é necessária uma grande mobilização nacional. O povo brasileiro precisa ser conscientizado de que o Pré-Sal é nosso. Diante disso propomos explicitamente que sejam suspensos, definitivamente, os leilões de blocos da plataforma marítima brasileira para prospecção de petróleo; que uma nova lei devolva à Petrobras o monopólio para extração de petróleo e gás natural e que a União recompre as ações da Petrobras que estão em mãos do capital privado, inclusive estrangeiro.

(*) Professor aposentado do Instituto de Física e presidente da Adufrgs - Sindical (Sindicato dos Professores das Instituições Federais de Ensino  Superior de Porto Alegre). Publicado na Revista Adverso, nº 169

Wednesday, September 02, 2009

Lula faz discurso Histórico

 

 

 

Lula faz discurso de olho no petróleo, na história e em 2010

O pré-sal é "patrimônio da União, riqueza do Brasil e passaporte para o nosso futuro", disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda-feira ao encaminhar sua proposta para a megajazida petrolífera. Em um "dia histórico", Lula não recorreu a improvisos, que costumam conter as suas declarações mais incisivas. Porém o longo discurso lido e medido nem por isso foi menos politizado, de olho no petróleo, mas também na história e igualmente nas eleições de 2010.

Vermelho.org

Lula: pré-sal foi a "volta por cima" do "dinossauro"

"Não se pode ainda dizer, com certeza, quantos bilhões de barris o pré-sal acrescentará às reservas brasileiras. Mas já se pode dizer, com toda segurança, que ele colocará o Brasil entre os países com maiores reservas de petróleo do mundo", previu o presidente. As estimativas sobre o tamanho do pré-sal variam muito, chegando a 70 bilhões e até 100 bilhões de barris. O governo por enquanto trabalha sobriamente com 50 bilhões.
"Tempos de pensamento subalterno"
Uma das passagens mais fortes marcou as diferenças com a administração Fernando Henrique Cardoso. Sem citar nomes, Lula disse que em 1997, quando se estabeleceram as atuais regras petrolíferas, "o mundo vivia um contexto em que os adoradores do mercado estavam em alta e tudo que se referisse à presença do Estado na economia estava em baixa".
"Altas personalidades naqueles anos chegaram a dizer que a Petrobras era um dinossauro – mais precisamente, o último dinossauro a ser desmantelado no país. E, se não fosse a forte reação da sociedade, teriam até trocado o nome da empresa. Em vez de Petrobras, com a marca do Brasil no nome, a companhia passaria a ser a Petrobrax – sabe-se lá o que esse xis queria dizer nos planos de alguns exterminadores do futuro", afirmou Lula.
"Foram tempos de pensamento subalterno. O país tinha deixado de acreditar em si mesmo. Na economia, campeava o desalento. O Brasil não conseguia crescer, sofria com altas taxas de juros, de desemprego, e juros estratosféricos, apresentava dívida externa elevadíssima e praticamente não tinha reservas internacionais. Volta e meia quebrava, sendo obrigado a pedir ao FMI ajuda, que chegava sempre acompanhada de um monte de imposições. Além disso, não produzíamos o petróleo necessário para nosso consumo. Ferida, desestimulada e desorientada, a Petrobras vivia um momento muito difícil."
"Hoje, nós vivemos um quadro é inteiramente diferente", prosseguiu Lula. Destacou a crise global, onde "os países e os povos descobriram que, sem regulação e fiscalização do Estado, o deus-mercado é capaz de afundar o mundo num abrir e fechar de olhos". Valorizou "o papel do Estado, como regulador e fiscalizador" e voltou a citar os feitos de seu governo na economia e em especial na Petrobras.
"Em suma, os tempos e o ambiente no mundo são outros. A situação da economia brasileira é outra. O Brasil e o prestígio do Brasil são outros. A Petrobras é outra. E outra também é a situação do mercado do petróleo", resumiu Lula.
Três diretrizes contra os "perigos"
Para Lula, a riqueza do pré-sal, "bem explorada e bem administrada, pode impulsionar grandes transformações no Brasil, consolidando a mudança de patamar de nossa economia e a melhoria das condições de vida de nosso povo".
"Mas o pré-sal também apresenta perigos e desafios", advertiu ele. E lembrou a sina de "países pobres que descobriram muito petróleo" mas "continuaram pobres", pouis "o que era uma dádiva transformou-se numa verdadeira maldição".
Para evitar esse risco, "determinei três diretrizes básicas", osque orientam projetos de lei enviados ao Congresso.
"Primeira: o petróleo e o gás pertencem a todo o povo brasileiro". Portanto, "a maior parte da renda gerada" permanecerá nas mãos do povo.
"A segunda diretriz é de que o Brasil não vai se transformar num mero exportador de óleo cru". Exportará gasolina, óleo diesel e produtos petroquímicos, "que valem muito mais", geram empregos e "uma poderosa indústria fornecedora dos equipamentos e serviços".
"A terceira diretriz: não vamos nos deslumbrar e sair por aí, como novos ricos, torrando dinheiro em bobagens. O pré-sal é um passaporte para o futuro. Sua principal destinação deve ser a educação das novas gerações, a cultura, o meio ambiente, o combate à pobreza e uma aposta no conhecimento científico e tecnológico, por meio da inovação. Vamos investir seus recursos naquilo que temos de mais precioso e promissor: nossos filhos, nossos netos, nosso futuro."
O novo marco regulatório
Com esses objetivos, Lula defendeu a mudança do marco regulatório para o pré-sal. "Seria um grave erro manter na área do pré-sal, de baixíssimo risco e grande rentabilidade, o modelo de concessões, apropriado apenas para blocos de grande risco exploratório e baixa rentabilidade", afirmou. E justificou assim o sistema de partilha, onde "a União continuará dona da maior parte do petróleo e do gás".
Segundo Lula, o modelo de partilha permitirrá ao Estado controlar o processo de produção e "calibrar" seu ritmo, "de acordo com os interesses nacionais, sem se subordinar às exigências do mercado".
"Dessa maneira, ficará mais fácil para o Brasil contornar os riscos inerentes à produção excessiva, que poderia inundar o país de dinheiro estrangeiro, desorganizando nossa economia – aquilo que os especialistas chamam de doença holandesa", argumentou o presidente.
A Petrosal, "imprescindível"
Para gerir os contratos de partilha, o governo propõe acriação de uma nova empresa estatal, a Petrosal. A Petrosal "não concorrerá com a Petrobras" mas será "a representante dos interesses do Estado brasileiro, o olho atento do povo brasileiro, acompanhando e fiscalizando".
"Em vários países que adotaram o modelo de partilha, empresas com esse caráter revelaram-se imprescindíveis para defender os interesses públicos e nacionais nas negociações e na gestão de contratos e processos complexos e sofisticados como os que caracterizam a indústria petrolífera", argumentou Lula.
O novo Fundo, "uma mega-poupança"

O governo propõe também a criação do Fundo Social, que será responsável pela administração da renda do petróleo.
"De um lado, o novo fundo será uma mega-poupança, um passaporte para o futuro, que preservará e incrementará a renda do petróleo por muitas e muitas décadas. Os rendimentos do fundo serão canalizados, prioritariamente, para a educação, a cultura, o meio ambiente, a erradicação da pobreza e a inovação tecnológica. Vamos aproveitá-los para pagar a imensa dívida que o país tem com a educação e para permitir que a aplicação do conhecimento científico seja, na verdade, a nossa maior garantia do nosso futuro", disse Lula.
"De outro lado, o novo fundo funcionará, também, como um dique contra a entrada desordenada de dinheiro externo, evitando seus efeitos nocivos e garantindo que nossa economia siga saudável, forte e baseada no trabalho e no talento dos milhões e milhões de brasileiros."
Já "a nossa querida e orgulhosa Petrobras" será fortalecida com o "status especial" de "única empresa operadora" no pré-sal. E a União fortalecerá sua participação acionária na empresa, no valor "de até 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo.
"Benditos amigos do dinossauro"
O discurso também rendeu várias homenagens aos lutadores pelo petróleo no passado, "chamados de fanáticos e maníacos, de lunáticos", como Monteiro Lobato. E também aos "que saíram às ruas em todo o país na campanha do 'O Petróleo é nosso', uma batalha travada em condições duríssimas. Basta ler os jornais da época, alguns em circulação até hoje, que ridicularizavam a campanha nacionalista. E eu digo: bendito nacionalismo, que permitiu que as riquezas da nação permanecessem em nossas mãos", disse Lula, alfinetando a mídia de hoje.
"Rendo homenagem muito especial, por fim, a todos os que defenderam a Petrobras quando a empresa passou a ser tratada como uma herança maldita do período jurássico. Benditos amigos e companheiros do dinossauro, que sobreviveu à extinção, deu a volta por cima, mostrou o seu valor. E descobriu o pré-sal – patrimônio da União, riqueza do Brasil e passaporte para o nosso futuro", afirmou.
"Olho para trás e vejo que há algo em comum em todos esses momentos, algo que unifica e dá sentido a essa caminhada, algo que nos trouxe até aqui e ao dia de hoje: é, sinceramente, a capacidade do povo brasileiro de acreditar em si mesmo e no nosso país. Foi em meio à descrença de tantos que querem falar em seu nome... O povo – principalmente ao povo – devemos esse momento atual."
"É como se houvesse uma mão invisível – não a do mercado, da qual já falaram tanto, mas outra, bem mais sábia e permanente, a mão do povo – tecendo nosso destino e construindo nosso futuro. Não creio que seja uma coincidência o fato de a Petrobras ter descoberto as grandes reservas do pré-sal justamente num momento da vida política nacional em que o povo também descobriu em si mesmo grandes reservas de energia e de esperança. Num momento em que o país, deixando para trás o complexo de inferioridade que lhe inculcaram durante séculos, aprendeu como é bom andar de cabeça erguida e olhar com confiança para o futuro."
Lula propôs o debate dos projetos de lei não só no interior do Congresso Nacional mas também com governadores e prefeitos, além de dizer estar seguro "de que o povo brasileiro entrará de corpo e alma nesse debate tão importante para o destino do Brasil e para o futuro dos nossos filhos", sobre um assunto que " interessa a todos e depende de todos". "Quero convocar cada brasileiro e cada brasileira a participar desse grande debate", chamou Lula.

Veja a íntegra do discurso de Lula:

"Minha querida companheira Marisa Letícia,
Excelentíssimo senhor presidente do Senado, José Sarney,
Excelentíssimo presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer,
Ministra Dilma Roussef, ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República; ministro Edison Lobão, de Minas e Energia, em nome dos quais cumprimento todos os ministros aqui presentes,
Quero cumprimentar todos os governadores que vieram ao lançamento do pré-sal,
Quero cumprimentar as autoridades dos Superiores Tribunais aqui de Brasília,
Quero cumprimentar os nossos amigos senadores e deputados que estão presentes,
Quero cumprimentar os membros do corpo diplomático,
Quero cumprimentar os prefeitos aqui presentes,
Em nome dos empresários eu gostaria de cumprimentar o nosso companheiro José Sérgio Gabrielli, presidente da nossa gloriosa Petrobras,
E o Luciano Coutinho, presidente do BNDES,
Minhas amigas e meus amigos,
Hoje é um dia histórico.
O governo está enviando ao Congresso Nacional sua proposta do marco regulatório para a exploração de petróleo e gás no chamado pré-sal.
Estou seguro de que, nos próximos meses, os deputados e senadores, recolhendo também as contribuições de governadores e prefeitos, aperfeiçoarão as propostas do governo, trabalhando com responsabilidade, espírito público, compromisso com o país e, sobretudo, muita visão de futuro.
Estou seguro também de que o povo brasileiro entrará de corpo e alma nesse debate tão importante para o destino do Brasil e para o futuro dos nossos filhos.
Porque esse não é um assunto apenas para os iniciados e especialistas. Nem é tampouco um tema que deva ficar restrito somente ao parlamento. Ao contrário, ele interessa a todos e depende de todos.
Por isso mesmo, quero convocar cada brasileiro e cada brasileira a participar desse grande debate. Trabalhadores, donas de casa, lavradores, empresários, intelectuais, cientistas, estudantes, servidores públicos, todos podem e devem contribuir para que tomemos as melhores decisões.
Minhas amigas e meus amigos,
O chamado pré-sal contém jazidas gigantescas de petróleo e gás, situadas entre cinco e sete mil metros abaixo do nível do mar, sob uma camada de sal que, em certas áreas, alcança mais de 2 mil metros de espessura.
Não se pode ainda dizer, com certeza, quantos bilhões de barris o pré-sal acrescentará às reservas brasileiras. Mas já se pode dizer, com toda segurança, que ele colocará o Brasil entre os países com maiores reservas de petróleo do mundo.
Trata-se de uma das maiores descobertas de petróleo de todos os tempos. E em condições extremamente importantes: as reservas encontram-se num país de grandes dimensões, de grande população e de abundantes recursos naturais. Um país que conta com um regime político estável e instituições democráticas em pleno funcionamento. Um país pacífico que faz questão de viver em paz com seus vizinhos. Um país que possui uma economia sofisticada, com um parque industrial diversificado, uma agropecuária de ponta e um setor de serviços moderno. Um país que, tendo dado passos importantes na superação das desigualdades sociais, encontrou seu caminho e está maduro para dar um salto no desenvolvimento.
Como já disse em outra oportunidade, o pré-sal é uma dádiva de Deus. Sua riqueza, bem explorada e bem administrada, pode impulsionar grandes transformações no Brasil, consolidando a mudança de patamar de nossa economia e a melhoria das condições de vida de nosso povo.
Mas o pré-sal também apresenta perigos e desafios. Se não tomarmos as decisões acertadas, aquilo que é um bilhete premiado pode transformar-se em fonte de enormes problemas. países pobres que descobriram muito petróleo, mas não resolveram bem essa questão, continuaram pobres.
Outros caíram na tentação do dinheiro fácil e rápido. Passaram a exportar a toque de caixa todo o óleo que podiam e foram inundados por moedas estrangeiras. Resultado: quebraram suas indústrias e desorganizaram suas economias. E, assim, o que era uma dádiva transformou-se numa verdadeira maldição.
Para evitar esse risco, desde o primeiro instante, determinei à comissão de ministros que preparou o marco regulatório do pré-sal que trabalhasse em cima de três diretrizes básicas.
Primeira: o petróleo e o gás pertencem ao povo e ao Estado, ou seja, a todo o povo brasileiro. E o modelo de exploração a ser adotado, num quadro de baixo risco exploratório e de grandes quantidades de petróleo, tem de assegurar que a maior parte da renda gerada permaneça nas mãos do povo brasileiro.
A segunda diretriz é de que o Brasil não quer e não vai se transformar num mero exportador de óleo cru. Ao contrário, vamos agregar valor ao petróleo aqui dentro, exportando derivados, como gasolina, óleo diesel e produtos petroquímicos, que valem muito mais. Vamos gerar empregos brasileiros e construir uma poderosa indústria fornecedora dos equipamentos e dos serviços necessários à exploração do pré-sal.
A terceira diretriz: não vamos nos deslumbrar e sair por aí, como novos ricos, torrando dinheiro em bobagens. O pré-sal é um passaporte para o futuro. Sua principal destinação deve ser a educação das novas gerações, a cultura, o meio ambiente, o combate à pobreza e uma aposta no conhecimento científico e tecnológico, por meio da inovação. Vamos investir seus recursos naquilo que temos de mais precioso e promissor: nossos filhos, nossos netos, nosso futuro.
Ao examinar os projetos de lei que estamos enviando hoje ao Congresso, depois de tanto trabalho e estudo, vejo com satisfação que eles estão em perfeita sintonia com essas diretrizes.
Minhas amigas e meus amigos,
Uma mudança importante no marco regulatório será a adoção do modelo de partilha de produção no pré-sal e em outras áreas de potencial e características semelhantes. É uma mudança absolutamente necessária e justificada.
Estamos vivendo hoje um cenário totalmente diferente daquele que existia em 1997, quando foi aprovada a Lei 9.478, que acabou com o monopólio da Petrobras na exploração do petróleo e instituiu o modelo de concessão.
Naquela época, o mundo vivia um contexto em que os adoradores do mercado estavam em alta e tudo que se referisse à presença do Estado na economia estava em baixa. Vocês devem se lembrar como esse estado de espírito afetou o setor do petróleo no Brasil. Altas personalidades naqueles anos chegaram a dizer que a Petrobras era um dinossauro – mais precisamente, o último dinossauro a ser desmantelado no país. E, se não fosse a forte reação da sociedade, teriam até trocado o nome da empresa. Em vez de Petrobras, com a marca do Brasil no nome, a companhia passaria a ser a Petrobrax – sabe-se lá o que esse xis queria dizer nos planos de alguns exterminadores do futuro.
Foram tempos de pensamento subalterno. O país tinha deixado de acreditar em si mesmo. Na economia, campeava o desalento. O Brasil não conseguia crescer, sofria com altas taxas de juros, de desemprego, e juros estratosféricos, apresentava dívida externa elevadíssima e praticamente não tinha reservas internacionais. Volta e meia quebrava, sendo obrigado a pedir ao FMI ajuda, que chegava sempre acompanhada de um monte de imposições.
Além disso, não produzíamos o petróleo necessário para nosso consumo. Ferida, desestimulada e desorientada, a Petrobras vivia um momento muito difícil. Tinha dificuldades de captação externa e não contava com recursos próprios para bancar os investimentos. Nessa época, é bom lembrar – e a Dilma já falou – o preço do barril do petróleo estava em torno de US$ 19.
Hoje, nós vivemos um quadro é inteiramente diferente. Em primeiro lugar, os países e os povos descobriram na recente crise financeira internacional que, sem regulação e fiscalização do Estado, o deus-mercado é capaz de afundar o mundo num abrir e fechar de olhos. O papel do Estado, como regulador e fiscalizador, voltou, portanto, a ser muito valorizado.
A economia do Brasil vive também um novo momento. De 2003 a 2008, crescemos em média, 4,1% ao ano. Nos últimos dois anos, nosso crescimento foi superior a 5%. Nesse período, o país gerou cerca de onze milhões de empregos com carteira assinada. O desemprego caiu de 11,7% para 8%, em 2008. Hoje, as taxas de juros atuais são as menores de muitas décadas em nosso país.
Não só pagamos a dívida externa pública, como acumulamos reservas superiores a US$ 215 bilhões. E mais: reduzimos de modo consistente a miséria e as desigualdades sociais. Mais de 30 milhões de brasileiros saíram da linha da pobreza e 2 milhões ingressaram... e 20 milhões ingressaram na nova classe média, fortalecendo o mercado interno e dando vigoroso impulso à nossa economia.
O fato é que hoje temos uma economia organizada, pujante e voltada para o crescimento. Uma economia que foi testada na mais grave crise internacional desde 1929 e saiu-se muito bem na prova. Não só não quebramos, como fomos um dos últimos países a entrar na crise e estamos sendo um dos primeiros a sair dela. Antes, éramos alvo de chacotas e de imposições. Hoje, nossa voz, a voz do Brasil, é ouvida lá fora com muita atenção e com muito respeito.
Meus queridos companheiros e companheiras,
Desde o primeiro instante, meu governo deu toda força à Petrobras. Passamos a cuidar com muito carinho do nosso querido dinossauro. Os recursos da empresa destinados à pesquisa e ao desenvolvimento deram um salto de US$ 201 milhões, em 2003, para R$ 960 milhões, em 2008.
A companhia voltou a investir, aumentou a produção, abriu concursos para contratação de funcionários, encomendou plataformas, modernizou e ampliou refinarias, além de construir uma grande infra-estrutura de gás natural e entrar também na era de biocombustíveis.
Deixamos claro que nossa política era fortalecer, e não debilitar, a Petrobras. E a companhia – estimulada, recuperada e bem comandada – reagiu de forma impressionante.
Resultado: a Petrobras vive hoje um momento singular. É o orgulho do país. É a maior empresa do Brasil. É a quarta maior companhia do mundo ocidental. Entre as grandes petroleiras mundiais, é a segunda em valor de mercado. É um exemplo em tecnologia de ponta. Descobriu as reservas do pré-sal, um feito extraordinário, que encheu de admiração o mundo e de muito orgulho os brasileiros. É uma empresa com crédito e autoridade internacionais. Tanto que, nos últimos meses, levantou cerca de US$ 31 bilhões em empréstimos. Seus investimentos previstos até 2013 somam US$ 174 bilhões.
E ainda para ajudar, para completar, o preço do barril de petróleo oscila hoje em torno de US$ 65, mais do triplo do que em 1997.
Em suma, os tempos e o ambiente no mundo são outros. A situação da economia brasileira é outra. O Brasil e o prestígio do Brasil são outros. A Petrobras é outra. E outra também é a situação do mercado do petróleo.
Minhas amigas e meus amigos,
Também não há termos de comparação entre as áreas que vinham sendo exploradas até agora e as áreas do pré-sal.
No pré-sal, os riscos exploratórios são baixíssimos. A taxa de sucesso dos poços operados pela Petrobras na área é de 87%, sendo que nos blocos situados na Bacia de Santos ela é de 100%. Foram 13 poços perfurados. E nos 13 comprovou-se a existência de grandes quantidades de óleo e gás, com excelentes perspectivas de viabilidade econômica.
Nessas circunstâncias, seria um grave erro manter na área do pré-sal, de baixíssimo risco e grande rentabilidade, o modelo de concessões, apropriado apenas para blocos de grande risco exploratório e baixa rentabilidade.
No modelo de concessões, a União, proprietária do subsolo, permite que as companhias privadas procurem petróleo, mediante o pagamento de uma taxa chamada bônus de assinatura. Se elas encontrarem óleo ou gás, podem extraí-lo e comercializá-lo como quiserem. São donas do petróleo arrancado das entranhas da terra, porque, a partir da boca do poço, a União perde os direitos de propriedade, recebendo apenas uma parcela pequena da renda do petróleo, na forma de royalties e participações especiais.
Já no modelo de partilha, que prevalece em todo o mundo em áreas de baixo risco exploratório e grande rentabilidade, a União continuará dona da maior parte do petróleo e do gás mesmo depois de sua extração. Nesse modelo, o Estado não transfere toda a propriedade do óleo para grupos privados, mas fecha contratos para a exploração e a produção em determinada área – diretamente com a Petrobras ou, mediante licitação, no caso de outras companhias.
No modelo de partilha, as empresas são remuneradas com uma parcela do óleo extraído, suficiente para cobrir seus custos e investimentos e ainda proporcionar uma rentabilidade adequada ao risco do projeto. Já o Estado fica com a maior parte dos lucros da exploração e produção de petróleo, parte esta bem superior ao que recebe hoje no regime de concessão. A regra do modelo de partilha é clara: nas licitações, vence a empresa que oferecer a maior parcela do lucro da operação para o Estado e para o povo brasileiro.
Amigas e amigos,
Como no modelo de partilha a maior parte do petróleo, mesmo depois de extraído, continuará a pertencer ao Estado, ela controlará o processo de produção. Assim, ela poderá definir claramente o ritmo de extração, calibrando-o de acordo com os interesses nacionais, sem se subordinar às exigências do mercado. Dessa maneira, ficará mais fácil para o Brasil contornar os riscos inerentes à produção excessiva, que poderia inundar o país de dinheiro estrangeiro, desorganizando nossa economia – aquilo que os especialistas chamam de doença holandesa.
Além disso, poderemos produzir petróleo nas condições que mais convêm ao país. E desse modo poderemos aproveitar a riqueza do petróleo, que Deus nos deu, para produzir mais riqueza ainda com o nosso trabalho.
Dessa forma, consolidaremos uma poderosa e sofisticada indústria petrolífera, promoveremos a expansão da nossa indústria naval e converteremos o Brasil num dos maiores pólos mundiais da indústria petroquímica do mundo.
Trabalhando com essa perspectiva, encomendaremos – e produziremos aqui dentro – milhares e milhares de equipamentos, gerando emprego, salário e renda para milhões de brasileiros.
Minhas amigas e meus amigos,
Para gerir os contratos de partilha e os contratos de comercialização de petróleo e gás, zelando pelos interesses do Estado e do povo brasileiro, estamos criando uma nova empresa estatal na área do petróleo, a Petrosal.
Ela não concorrerá com a Petrobras, já que não participará da prospecção ou da exploração de petróleo e gás. Sua missão é inteiramente diferente. A nova estatal será, isso sim, a representante dos interesses do Estado brasileiro, o olho atento do povo brasileiro, acompanhando e fiscalizando a execução dos contratos firmados na área do pré-sal.
Será uma empresa enxuta, com corpo técnico altamente qualificado, formado por profissionais com experiência comprovada. Em vários países que adotaram o modelo de partilha, empresas com esse caráter revelaram-se imprescindíveis para defender os interesses públicos e nacionais nas negociações e na gestão de contratos e processos complexos e sofisticados como os que caracterizam a indústria petrolífera.
Minhas amigas e meus amigos,
Se vocês estão cansados, imaginem eu. Outra novidade importante é a criação do Fundo Social. Ele será responsável pela administração da renda do petróleo e pela sua aplicação em investimentos seguros e de boa rentabilidade, tanto no Brasil como no exterior.
De um lado, o novo fundo será uma mega-poupança, um passaporte para o futuro, que preservará e incrementará a renda do petróleo por muitas e muitas décadas. Os rendimentos do fundo serão canalizados, prioritariamente, para a educação, a cultura, o meio ambiente, a erradicação da pobreza e a inovação tecnológica. Vamos aproveitá-los para pagar a imensa dívida que o país tem com a educação e para permitir que a aplicação do conhecimento científico seja, na verdade, a nossa maior garantia do nosso futuro.
De outro lado, o novo fundo funcionará, também, como um dique contra a entrada desordenada de dinheiro externo, evitando seus efeitos nocivos e garantindo que nossa economia siga saudável, forte e baseada no trabalho e no talento dos milhões e milhões de brasileiros.
Assim, a renda gerada pela produção do pré-sal será administrada de forma planejada e inteligente. E seu ingresso na economia nacional será dosado de modo a fortalecê-la e a impulsioná-la, jamais a desorganizá-la.
Minhas amigas e meus amigos,
Não poderia deixar de prestar aqui uma sincera homenagem à Petrobras, a sua diretoria e a todo o seu corpo de funcionários.
A descoberta do pré-sal, que coloca o Brasil num novo patamar no cenário mundial, não foi fruto do acaso ou de um golpe de sorte. Ao contrário, ela só foi possível graças ao talento, à competência e à determinação da Petrobras. E também, é claro, graças ao revigoramento da empresa nos últimos anos, à recuperação da sua autoestima e aos investimentos crescentes em pesquisa e prospecção.
Poucas empresas no mundo têm hoje a experiência da Petrobras na exploração de petróleo em águas profundas e ultraprofundas. E nenhuma empresa petrolífera conhece e é capaz de obter resultados tão expressivos em nossa plataforma submarina como ela. Trata-se de um ativo, de um patrimônio de enorme valor, que deve ser bem e de forma extraordinária aproveitado.
Por isso mesmo, a Petrobras terá um status especial no marco regulatório do pré-sal. Será a única empresa operadora nessa província. Outras empresas poderão ter participação, inclusive majoritária, nos consórcios que explorarão os blocos contratados. Mas a operação – vale dizer, a exploração, o desenvolvimento, a produção e a desativação das instalações – estará sempre a cargo da nossa querida e orgulhos Petrobras.
Além disso, as reservas do pré-sal, que pertencem ao Estado e ao povo brasileiro, oferecem uma excelente oportunidade para que a União fortaleça a Petrobras para enfrentar os novos desafios. Nesse sentido, estamos enviando projeto de lei ao Congresso Nacional autorizando a União a promover aumento de capital da companhia. O valor total do aumento de capital será aquilo que a ministra Dilma já falou, de até cinco bilhões de barris equivalentes de petróleo, obviamente, relativos às jazidas contíguas às áreas que a empresa já detém no pré-sal.
Nos termos da lei, os acionistas minoritários que desejarem participar dessa chamada de capital poderão adquirir ações da companhia, o que contribuirá para reforçar economicamente nossa maior empresa nesse momento decisivo.
Se os acionistas minoritários não exercerem integralmente seus direitos de opção, a capitalização promovida pela União implicará aumento da participação do povo brasileiro no capital total da Petrobras.
Minhas amigas e meus amigos,
Nesse momento em que o Brasil discute o melhor caminho para se tornar um grande produtor mundial de petróleo, quero render minhas homenagens a todos os brasileiros que lutaram para que este sonho se transformasse em realidade.
Em primeiro lugar, homenageio os que acreditaram quando era mais fácil descrer. E não deram ouvidos às aves de mau agouro que, durante décadas, apregoaram aos quatro ventos que o Brasil não tinha petróleo. Foram, por isso, chamados de fanáticos e maníacos. Ainda bem que houve fanáticos que nos ensinaram a duvidar dos preconceitos e a ter fé em nossas próprias forças.
Rendo minha homenagem também aos que se insurgiram contra a ladainha que proclamava que, mesmo que o Brasil tivesse petróleo, não teria competência para explorá-lo. E que deveria deixar essa tarefa para o capital estrangeiro. Muitos foram tachados de lunáticos, prisioneiros de uma idéia fixa, como o grande e saudoso Monteiro Lobato, porque teimaram em lutar para que o Brasil explorasse suas riquezas. Benditos lunáticos que ensinaram o país a enxergar longe, em tempos de escuridão, e iluminaram os caminhos dos que vieram depois.
Rendo minha homenagem ainda aos que saíram às ruas em todo o país na campanha do “O Petróleo é nosso”, levando o presidente Getúlio Vargas a instituir o monopólio estatal do petróleo e a criar a Petrobras. Foi uma batalha travada em condições duríssimas. Basta ler os jornais da época, alguns em circulação até hoje, que ridicularizavam a campanha nacionalista. E eu digo: bendito nacionalismo, que permitiu que as riquezas da nação permanecessem em nossas mãos.
Rendo homenagem muito especial, por fim, a todos os que defenderam a Petrobras quando ela foi atacada ao longo de sua história – e ainda hoje – e aos funcionários e petroleiros que se mantiveram de pé quando a empresa passou a ser tratada como uma herança maldita do período jurássico. Benditos amigos e companheiros do dinossauro, que sobreviveu à extinção, deu a volta por cima, mostrou o seu valor. E descobriu o pré-sal – patrimônio da União, riqueza do Brasil e passaporte para o nosso futuro.
Olho para trás e vejo que há algo em comum em todos esses momentos, algo que unifica e dá sentido a essa caminhada, algo que nos trouxe até aqui e ao dia de hoje: é, sinceramente, a capacidade do povo brasileiro de acreditar em si mesmo e no nosso país. Foi em meio à descrença de tantos que querem falar em seu nome... O povo – principalmente ao povo – devemos esse momento atual.
É como se houvesse uma mão invisível – não a do mercado, da qual já falaram tanto, mas outra, bem mais sábia e permanente, a mão do povo – tecendo nosso destino e construindo nosso futuro. Não creio que seja uma coincidência o fato de a Petrobras ter descoberto as grandes reservas do pré-sal justamente num momento da vida política nacional em que o povo também descobriu em si mesmo grandes reservas de energia e de esperança. Num momento em que o país, deixando para trás o complexo de inferioridade que lhe inculcaram durante séculos, aprendeu como é bom andar de cabeça erguida e olhar com confiança para o futuro.
Muito obrigado, companheiros."

http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=114792&id_secao=1

Wednesday, August 26, 2009

Operação Sarkozy: Como a CIA alçou um dos seus agentes à presidência da França (2)

 

As origens do presidente francês Nicolas Sarkozy e as alianças que o conduziram ao poder. Conforme o autor do artigo, todas as informações nele contidas são verificáveis, com exceção de duas imputações, pelas quais ele assume a responsabilidade exclusiva

THIERRY MEYSSAN*

Continuação da edição anterior

Ao longo de todo o seu primeiro mandato, Jacques Chirac manteve Nicolas Sarkozy à distância. Este último se mantém em silencio durante esta longa travessia do deserto. Discretamente, continua a estabelecer relações nos círculos financeiros.

Em 1996, Nicolas Sarkozy, depois de um longo processo de divórcio, casa-se com Cecília. Eles têm como padrinhos os dois milionários Martin Bouygues e Bernard Arnaud (o homem mais rico do país).

ÚLTIMO ATO

Muito antes da crise iraquiana, Frank Wisner Jr. e seus colegas da CIA planejam a destruição da corrente gaullista e a ascensão ao poder de Nicolas Sarkozy. Eles agem em três etapas: primeiro a eliminação da direção do partido gaullista e a tomada de controle de sua estrutura. Depois, a eliminação do principal rival de direita e a investidura do partido gaullista à eleição presidencial. E finalmente, a eliminação de todo rival sério à esquerda de maneira a que fosse certo que Sarkozy ganhasse a eleição presidencial da República Francesa.

Durante anos, os meios de comunicação foram mantidos pendentes das revelações póstumas de um promotor imobiliário. Antes de morrer de uma doença grave, ele registrou, por uma razão nunca esclarecida, uma confissão em vídeo. Por uma razão ainda mais obscura, esse “cassete” caiu nas mãos de um chefe do Partido Socialista, Dominique Strauss-Khan, que o fez chegar indiretamente à imprensa.

As confissões desse indivíduo não resultam em nenhuma sanção judicial, mas elas abrem uma caixa de Pandora. A principal vítima dos sucessivos escândalos será o primeiro-ministro Alain Juppé. Para proteger Chirac, ele assume sozinho todas as infrações penais. O afastamento de Juppé deixa o caminho livre a Nicolas Sarkozy para tomar a direção do partido gaullista.

Sarkozy explora então a sua posição para fazer Jacques Chirac reintegrá-lo ao governo, apesar do seu ódio recíproco. Ele acabou sendo ministro do Interior. Erro grave! Nesse cargo, Sarkozy controla os governadores e utiliza a polícia política, a qual ele utilizou para colocar os seus indicados nos principais setores da administração.

Ele também trata dos assuntos referentes à Córsega. O governador Claude Érignac foi assassinado. Embora ninguém tenha reivindicado a autoria do crime, o assassinato foi imediatamente interpretado como um desafio lançado à República pelos independentistas. Após uma longa caçada, a polícia conseguiu prender um suspeito em fuga, Yvan Colonna, filho de um deputado socialista. Desprezando a presunção de inocência, Nicolas Sarkozy anuncia a sua prisão acusando-o de ser o assassino. É que a notícia é demasiado bela, a dois dias do referendo que o ministro do Interior organiza na Córsega para modificar o estatuto da ilha. Apesar de tudo, os eleitores rejeitam o projeto Sarkozy que, segundo alguns, favorece os interesses mafiosos.

Mesmo que Yvan Colonna posteriormente tenha sido declarado culpado, ele sempre proclamou a sua inocência e não foi encontrada nenhuma prova material contra ele. Estranhamente, o homem se refugiou no silêncio, preferindo ser condenado a revelar o que sabe. Nós revelamos aqui que o governador Érignac não foi morto por nacionalistas, mas sim abatido por um assassino a soldo, imediatamente enviado para Angola onde foi contratado pelo grupo Elf como membro de seu corpo de segurança. O motivo do crime estava precisamente ligado às funções anteriores de Érignac, responsável pelas redes africanas de Charles Pasqua no Ministério da Cooperação. Quanto a Yvan Colonna, é um amigo pessoal de Nicolas Sarkozy há décadas e seus filhos frequentam-se mutuamente.

Explode um novo escândalo: circulam falsas listagens que acusam mentirosamente várias personalidades de esconderem contas bancárias em Luxemburgo, no banco Clearstream. Dentre as personalidades acusadas, Nicolas Sarkozy. Ele se defende apresentando uma queixa e da por entendido que seu rival de direita na eleição presidencial, o então primeiro-ministro Dominique de Villepin, organizou essa manobra. E não esconde sua intenção de colocá-lo atrás das grades.

Na realidade, as falsas listagens foram postas em circulação por membros da Fundação Franco-Americana, presidida por John Negroponte e administrada por Frank Wisner Jr. O que os juízes ignoram e que nós revelamos aqui é que as listagens foram fabricadas em Londres por um escritório comum da CIA e do MI6, Hakluyt & Co, administrado também por Frank Wisner Jr.

Villepin defende-se das acusações que lhe atribuem, mas é submetido a uma investigação e a uma prisão domiciliar e, de fato, é afastado provisoriamente da vida política. O caminho está livre pelo lado da direita para Nicolas Sarkozy.

Resta neutralizar as candidaturas da oposição. As mensalidades de adesão ao Partido Socialista são reduzidas a um nível simbólico, para atrair novos militantes. De repente, milhares de jovens obtêm seu cartão do partido. Dentre eles, pelo menos dez mil novos aderentes são, na realidade, militantes do Partido trotskista “lambertista” (em referência ao nome do seu fundador, Pierre Lambert). Esta pequena formação de extrema esquerda historicamente pôs-se a serviço da CIA contra os comunistas stalinistas durante a Guerra Fria (ela é o equivalente do SD/USA de Max Shatchman, que agrupou os neo-conservadores nos EUA). Não é a primeira vez que os “lambertistas” se infiltram no Partido Socialista. Eles anteriormente plantaram lá dois célebres agentes da CIA: Lionel Jospin (que se tornou primeiro-ministro) e Jean-Christophe Cambadélis, o principal conselheiro de Dominique Strauss-Kahn.

São organizadas primárias no interior do Partido Socialista com a finalidade de designar seu candidato à eleição presidencial. Duas personalidades participam da disputa: Laurent Fabius e Ségolène Royal. Só o primeiro representa um perigo para Sarkozy. Dominique Strauss-Kahn entra então na corrida com a missão de eliminar Fabius no último momento. E o conseguirá graças aos votos dos militantes “lambertistas” infiltrados, que não votarão nele, mas em Royal.

A operação foi possível porque Strauss-Kahn, de origem judia marroquina, está há muito na folha de pagamento dos Estados Unidos. Os franceses ignoram que ele dá aulas na universidade americana de Stanford, onde foi contratado nada mais nada menos pela Condoleezza Rice.

Imediatamente depois de sua tomada de posse na presidência, Nicolas Sarkozy e Condoleezza Rice agradecerão a Strauss-Kahn fazendo possível sua eleição para a direção do Fundo Monetário Internacional.

PRIMEIROS DIAS NO PALÁCIO DO ELISEU

Na noite do segundo turno da eleição presidencial, quando os institutos de pesquisa anunciam a sua provável vitória, Nicolas Sarkozy pronuncia um breve discurso à nação do seu QG de campanha. Depois, ao contrário de todos os costumes, ele não vai à festa com os militantes do seu partido, mas dirige-se ao Fouquet’s. O célebre restaurante dos Campos Elíseos, que outrora era o ponto de encontro da “União corsa”, hoje é propriedade do dono de cassinos Dominique Desseigne. Foi posto à disposição do presidente eleito para receber seus amigos e os principais doadores de recursos da sua campanha. Uma centena de convidados ali se acotovelam, os homens mais ricos da França ombro a ombro com donos de cassinos.

Depois disso, o presidente eleito se brinda com alguns dias de repouso bem merecidos. Um jet Falcon-900 privado o leva para Malta, onde descansa no Paloma, um iate de 65 metros do seu amigo Vicent Bolloré, um milionário formado no Banco Rothschild.

Finalmente, Nicolas Sarkozy toma posse como presidente da República Francesa. O primeiro decreto que assina não é para proclamar uma anistia, mas para autorizar os cassinos dos seus amigos Desseigne e Partouche a multiplicar as máquinas de caça-níqueis.

Sarkozy forma sua equipe de trabalho e seu governo. Não é surpreendente encontrar ali um suspeito proprietário de cassinos (o ministro da Juventude e Desporto) e o lobista dos cassinos do amigo Desseigne (que se torna porta-voz do partido “gaullista”).

Nicolas Sarkozy apóia-se principalmente em quatro homens:

- Claude Guéant, secretário-geral da Presidência da República. É sócio-gerente do Banco Rothschild.

- David Lévitte, conselheiro diplomático. Filho do antigo diretor da Agência Judia. Foi embaixador da França na ONU, até que foi afastado das suas funções por Chirac, que o julgava demasiado próximo de George Bush.

- Alain Bauer, o homem das sombras. Seu nome não aparece nos anuários. É o encarregado dos serviços de inteligência. Neto do Grande Rabi de Lyon, antigo Grão-Mestre do Grande Oriente da França (a principal loja maçônica francesa) e antigo nº. 2 da National Security Agency estadunidense na Europa.

- Frank Wisner Jr., que então fora nomeado enviado especial do presidente Bush para a independência de Kosovo, insiste em que Bernard Kouchner seja nomeado ministro de Relações Exteriores com uma dupla missão: a independência de Kosovo e a liquidação da política da França para o mundo árabe.

Kouchner, um judeu de origem báltica, começou sua carreira participando na criação de uma ONG humanitária. Graças aos financiamentos da National Endowment for Democracy, ele participou nas operações de Zbigniew Brzezinski no Afeganistão, ao lado de Osama Bin Laden e dos irmãos Karzai contra os soviéticos. Nos anos 90 podia ser encontrado junto a Alija Izetbegoviç na Bosnia-Herzégovina. De 1999 a 2001 foi Alto Representante da ONU em Kosovo.

Sob o controle do irmão mais novo do presidente Hamid Karzaï, o Afeganistão tornou-se o primeiro produtor mundial de papoula. O seu sumo é transformado ali em heroína e transportado pela US Air Force para Campo Bondsteel (Kosovo). Lá, a droga passa para os homens de Haçim Thaçi que se encarregam da distribuição, principalmente para a Europa e eventualmente para os Estados Unidos. Os lucros são utilizados para financiar as operações ilegais da CIA.

Karzai e Thaçi são amigos pessoais de longa data de Bernard Kouchner, que certamente ignora suas atividades criminosas apesar dos relatórios internacionais que lhes foram consagrados.

Para completar seu governo, Nicolas Sarkozy nomeia Christine Lagarde como ministra de Economia e Finanças. Ela fez toda a sua carreira nos Estados Unidos, onde dirigiu o prestigioso gabinete de juristas Baker & McKenzie. No seio do Center for International & Strategic Studies de Dick Cheney, ela co-presidiu com Zbigniew Brzezinski um grupo de trabalho que supervisionou as privatizações na Polônia. Ela organizou um lobby intenso por conta da Lockheed Martin contra o construtor de aviões francês Dassault.

Nova escapada durante o Verão. Nicolas, Cecília e a babá de seus filhos vão de férias aos Estados Unidos, em Wolfenboroo, perto da propriedade do presidente Bush. A conta, desta vez, é paga por Robert F. Agostinelli, um banqueiro de negócios de Nova Iorque, sionista e neo-conservador de pura cepa que expressa seus pontos de vista em Commentary, a revista do American Jewish Committee.

O sucesso de Nicolas beneficia o seu meio-irmão, Pierre-Olivier. Sob o nome americanizado de “Oliver”, é nomeado por Frank Carlucci (que foi o nº. 2 da CIA depois de ter sido recrutado por Frank Wisner Sr.), diretor de um novo fundo de investimento do Grupo Carlyle (a sociedade comum de gestão de carteiras de ações dos Bush e dos Bin Laden). Transformado no quinto negociante à nível mundial, ele administra atualmente as principais contas dos fundos soberanos do Kuwait e de Cingapura.

A taxa de popularidade do presidente Sarkozy está em queda livre nas pesquisas. Um dos seus conselheiros em comunicação, Jacques Séguéla (que também é assessor em comunicação política da NED para diferentes operações da CIA na Europa Oriental), aconselha desviar a atenção do público com novas “people stories”.

O anúncio do divórcio de Cecília foi publicado pelo Libération, o jornal do seu amigo Edouard de Rothschild, para cobrir os slogans dos manifestantes num dia de greve geral.

Pior ainda, o assessor organizou um encontro com a artista e ex-modelo Carla Bruni. Alguns dias mais tarde, sua ligação com o presidente é oficializada e a campanha de mídia encobre novamente as críticas políticas. Algumas semanas mais tarde se produz o terceiro casamento de Nicolas. Desta vez, ele escolhe como padrinhos Mathilde Agostinelli (a esposa de Robert) e Nicolas Bazire, antigo chefe de gabinete de Edouard Balladur, que se tornou sócio-gerente do Banco Rothschild.

Quando os franceses abrirão os olhos para ver o que têm que fazer?

* Analista político, fundador  da Réseau Voltaire. Último livro publicado, L´Effroyable imposture 2 (a remodelação do Oriente Próximo e a guerra israelense contra o Líbano).

Os desvãos da dupla moralidade midiática

 

EMERSON LEAL*

Os professores da PUC do Rio Grande do Sul - Pedrinho Guareschi e Osvaldo Biz - lembram, em seu livro Mídia & Democracia, que “A mídia no Brasil não é o quarto poder. É o primeiro, o que controla e subjuga os demais (...). A mídia, principalmente a eletrônica, constrói a realidade, impõe os valores, monta a pauta de discussão nacional e subjetiva as pessoas”.

O fato de a mídia impressa ser algo que se rege pelos princípios de uma empresa privada, não a isenta de responsabilidade social. Já a mídia eletrônica - rádio e televisão - é um serviço público. Ou seja, é uma concessão temporária, “não pode ter ‘donos’ e tem como tarefa essencial ser educativa, formar para a cidadania, sendo uma nova ágora, onde devem ser discutidos os grandes problemas nacionais”.

Contudo, o que se observa no Brasil é que tanto a mídia impressa como a eletrônica fogem, como o diabo da cruz, de toda e qualquer discussão que tenha como pauta definir os parâmetros de um controle social sobre elas. Mais que isso, demonizam quem tiver a petulância de chamá-las à responsabilidade. Neste contexto, como avançar no aprofundamento de conceitos como a democracia e a cidadania? Difícil!

Para se ter uma idéia do papel nefasto da mídia hegemônica no País, é só analisarmos este triste episódio que escancarou os bastidores do Congresso Nacional. Mas, para entendê-lo há que o fazer com critérios políticos - não moralistas, como insiste aquela mídia justamente para moldar a opinião pública, esconder a realidade e construir a (‘realidade’) que lhe interessa, como diriam os autores de Mídia & Democracia.

Pois bem, todos sabemos que o nosso Parlamento sempre funcionou assim. É só lembrar que, durante o governo FHC, seu grande aliado no Congresso Nacional não foi outro senão ACM - o popular Toninho Malvadeza. O corpo-rativismo - ontem como hoje - sempre funcionou, objetivando manter privilégios. Mas, quando ‘reinava’ o Príncipe da Sorbonne que, comprovadamente comprou a sua reeleição, rasgando a Constituição, a mídia não demonstrou tanto zelo assim na defesa da ética e da moralidade, como faz hoje.

Por quê? Simples! Por que a questão em tela é política, e a mídia defende seus interesses. E seu interesse, hoje, é desalojar o PT do poder, é destruir a candidatura Dilma Roussef e trazer de volta os tucanos para continuar com a tarefa ‘hercúlea’ de desmontar o Estado brasileiro para ficar mais fácil entregá-lo aos interesses externos. Que o diga a CPI da Petrobrás, de responsabilidade de tucanos e ‘democratas’: querem entregar o pré-sal para os EUA; e os factóides que, dia e noite, eles criam no Congresso Nacional com o único objetivo de desgastar o governo Lula. Mas a mídia jura que o que ela quer mesmo é ajudar a moralizar o Congresso Nacional.

O Estadão, por exemplo, que sempre foi o maior porta-voz das oligarquias no Brasil, ostenta manchetes que dizem que o arquivamento das denúncias contra Sarney custará caro ao Parlamento ‘que insiste em sustentar oligarquias em detrimento da opinião popular’. E esculhamba com o presidente Lula por ele se preocupar em “preservar o Sarney”. Ou seja, uma análise baseada puramente na lógica formal e em critérios moralistas justamente para construir a ‘realidade’que lhe interessa.

Se este jornalão quisesse realmente diagnosticar o problema, teria de mostrar para seus leitores como se trava a luta política dentro do Congresso Nacional; como funciona nossa democracia do poder econômico; quem e como é eleito um representante para o Parlamento; como se constrói a governabilidade (que é imposta por essa mesma democracia - frágil e incipiente).

Trocando em miúdos: a imprensa faz todo este escarcéu porque quer passar a presidência do Congresso para as mãos do tucano Marconi Perilo, que responde por inúmeros processos em Goiás por irregularidades em sua administração quando governador.

E a presidência do Congresso, passando para as mãos dos tucanos, o que vai acontecer mesmo, como num passo de mágica, é que a mídia vai parar de falar em moralização do Parlamento. É assim, a luta pelo poder. Que ninguém se iluda.
*Doutor em Física Atômica e Molecular e vice-prefeito de São Carlos. E-mail: depl@df.ufscar.br

Thursday, August 13, 2009

Operação Sarkozy: Como a CIA alçou um dos seus agentes à presidência da França (1)

 

Nicolas Sarkozy deve ser julgado pelas suas ações e não pela sua personalidade. Mas, quando as suas ações surpreendem até os seus próprios eleitores, é legítimo nos debruçarmos detalhadamente sobre a sua biografia e nos questionar sobre as alianças que o conduziram ao poder. Este artigo descreve as origens do presidente da República Francesa. Todas as informações nele contidas são verificáveis, com exceção de duas imputações, pelas quais o autor assume a responsabilidade exclusiva

THIERRY MEYSSAN*

Os franceses, cansados das demasiado longas presidências de François Mitterrand e de Jacques Chirac, elegeram Nicolas Sarkozy contando com a sua energia para revitalizar o país. Eles esperavam uma ruptura com anos de imobilismo e ideologias ultrapassadas. Tiveram uma ruptura com os princípios que fundaram a nação francesa. Ficaram estupefatos porque este “hiper presidente” era atingido por um novo dossiê a cada dia, atraia a direita e a esquerda em torno de si, abalou todas as referências até criar uma completa confusão.

Assim como as crianças que acabam de fazer uma grossa asneira, os franceses estão demasiado ocupados em procurar desculpas para admitir a amplitude dos danos e a sua ingenuidade. Recusam-se, portanto, a ver quem realmente é Nicolas Sarkozy, o que deveriam ter percebido há muito.

O homem é hábil. Como um ilusionista, ele desviou as atenções ao oferecer a sua vida privada como espetáculo e posar nas revistas populares, até fazer esquecer seu percurso político.

Que se compreenda bem o sentido deste artigo: não se trata de criticar o sr. Sarkozy pelas suas ligações familiares, de amizade e profissionais, mas de criticá-lo por ter escondido suas ligações aos franceses que acreditaram, erradamente, estar elegendo um homem livre.

Para poder entender como um homem em que todos vêem hoje um agente dos Estados Unidos e de Israel conseguiu tornar-se o chefe do partido gaullista, e depois presidente da República Francesa, é preciso olhar para o passado. Temos que abrir um amplo parêntese no decorrer do qual apresentaremos os protagonistas que hoje estão perpetrando sua vingança.

SEGREDOS DE FAMÍLIA

No fim da Segunda Guerra Mundial, os serviços de inteligência estadunidenses recorreram ao padrinho italo-americano Lucky Luciano para controlar a segurança dos portos americanos e para preparar o desembarque aliado na Sicília.

O responsável dos contatos de Luciano com os serviços dos EUA é Frank Wisner Sr. E depois, quando o “padrinho” é libertado e se exila na Itália, o encarregado de manter esses contatos é seu “embaixador” corso, Étienne Léandri.

Em 1958, os Estados Unidos, preocupados com uma possível vitória da FLN na Argélia, fato que abriria a África do Norte à influência soviética, decidem instigar um golpe de Estado militar na França. A operação é organizada em conjunto pela Direção de Planificação da CIA – teoricamente dirigida por Frank Wisner Sr. – e pela OTAN. Mas Wisner já havia afundado na demência, de modo que é o seu sucessor, Allan Dulles, que supervisiona o golpe. A partir de Argel, generais franceses criam um Comitê de Salvação Pública que exerce uma pressão sobre o poder civil parisiense e o obriga a votar plenos poderes ao general De Gaulle, sem ter necessidade de recorrer à força.

Ora, Charles De Gaulle não é o peão que os anglo-saxões acreditavam poder manipular. Num primeiro momento, ele tenta resolver a contradição colonial concedendo uma grande autonomia aos territórios do ultramar no seio da União Francesa. Mas, já é demasiado tarde para salvar o Império francês porque os povos não acreditam mais nas promessas da metrópole e exigem a sua independência. Depois de dirigir vitoriosamente ferozes campanhas de repressão contra os independentistas, De Gaulle rende-se à evidência. Fazendo prova de uma rara sabedoria política, ele decide conceder a cada colônia a sua independência.

Esta reviravolta foi considerada pela maior parte daqueles que o levaram ao poder como uma traição. A CIA e a OTAN apóiam então todo tipo de conspirações para eliminá-lo, inclusive um golpe de Estado que fracassa e umas quarenta tentativas de assassinato. Entretanto, alguns dos seus partidários aprovam a sua evolução política. Em torno de Charles Pasqua eles criam o SAC, uma milícia para protegê-lo.

Pasqua é ao mesmo tempo um gangster corso e um ex-combatente da Resistência Francesa contra o nazismo. Ele casou-se com a filha de um contrabandista de bebidas canadense que fez fortuna durante a época da Lei Seca. Pasqua dirige a sociedade Ricard que, depois de ter comercializado o absinto, uma bebida proibida, se faz de uma reputação respeitável vendendo anis. Entretanto, a sociedade continua servindo de cobertura para todos os tipos de tráficos relacionados com a família italo-nova-iorquina dos Genovese, a do próprio Lucky Luciano. Não resulta então surpreendente que Pasqua apele a Étienne Léandri (o “embaixador” de Luciano) para recrutar braços fortes e constituir a milícia gaullista. Um terceiro homem desempenha um grande papel na formação do SAC, o antigo guarda costas de De Gaulle, Achille Peretti – também ele um corso.

Sob essa proteção, De Gaulle traça com desenvoltura uma política de independência nacional. Sempre afirmando pertencer ao campo atlântico, ele questiona a liderança anglo-saxônica. Opõe-se à entrada do Reino Unido no Mercado Comum Europeu (1961 e 1967); recusa a mobilização dos capacetes azuis da ONU no Congo (1961); encoraja os Estados latino-americanos a libertarem-se do imperialismo americano (discurso do México, 1964); expulsa a OTAN da França e retira-se do Comando Integrado da Aliança Atlântica (1966); denuncia a Guerra do Vietnã (discurso de Phnon Pehn, 1966); condena o expansionismo israelense durante a Guerra dos Seis Dias (1967); apóia a independência de Quebec (discurso de Montreal, 1967); etc.

Simultaneamente, De Gaulle consolida o poderio da França dotando-a de um complexo militar-industrial incluindo a força de dissuasão nuclear, e garantindo seu aprovisionamento energético. Afasta os inconvenientes corsos do seu entorno confiando-lhes missões no estrangeiro. Assim, Étienne Léandri torna-se o representante comercial do grupo Elf (hoje Total), enquanto que Charles Pasqua torna-se o homem de confiança dos chefes de Estado da África francófona.

Consciente de que não pode desafiar os anglo-saxões em todos os terrenos ao mesmo tempo, De Gaulle alia-se à família Rothschild. Escolhe como primeiro-ministro o diretor do banco, Georges Pompidou. Os dois homens formam uma equipe eficaz. A audácia política do primeiro nunca perde de vista o realismo econômico do segundo.

Quando De Gaulle se demite, em 1969, Georges Pompidou ocupa brevemente a presidência antes de morrer vítima de um câncer. Os gaullistas históricos não admitem a sua liderança e inquietam-se com a sua tendência anglófila. O denunciam como traidor quando Pompidou, secundado pelo secretário-geral da presidência francesa, Edouard Balladur, permite entrar “a pérfida Albion” no Mercado Comum Europeu.

A FABRICAÇÃO DE NICOLAS SARKOZY

Apresentado este cenário, retornemos ao nosso personagem principal, Nicolas Sarkozy. Nascido em 1955, é filho de um nobre húngaro, Pal Sarkösy de Nagy-Bocsa, que chegou à França fugindo do Exército Vermelho, e de Andrée Mallah, uma judia originária de Tessalónica. Depois de terem três filhos (Guillaume, Nicolas e François), o casal divorcia-se. Pal Sarkösy de Nagy-Bocsa casa-se novamente com uma aristocrata, Christine de Ganay, com quem terá dois filhos (Pierre-Olivier e Caroline). Nicolas não será educado só pelos seus pais, mas será inserido nos vaivens dessa família “reconstruída”.

Sua mãe tornou-se a secretária de Achille Peretti. Depois de ter sido co-fundador do SAC, o guarda-costas de De Gaulle havia trilhado uma brilhante carreira política. Fora eleito deputado e prefeito de Neuilly-sur-Seine, o mais rico subúrbio residencial de Paris, e depois, presidente da Assembléia Nacional.

Porém, em 1972 Achille Peretti enfrenta graves acusações. Nos Estados Unidos, a revista Time revela a existência de uma organização criminosa secreta, a “União corsa”, que controla grande parte do tráfico de entorpecentes entre a Europa e a América. Trata-se da famosa “French connexion” que Hollywood levaria posteriormente às telas. Baseando-se em audiências do Congresso e nas suas próprias investigações, a Time cita o nome de um chefe mafioso, Jean Ventura, preso alguns anos antes no Canadá, e que não é outro senão o representante comercial de Charles Pasqua para a sociedade de bebidas alcoólicas Ricard. Evoca-se o nome de várias famílias que dirigiriam a “União Corsa”, inclusive os Peretti. Achille nega, mas deve renunciar à presidência da Assembléia Nacional e escapa inclusive a um “suicídio”.

Em 1977, Pal Sarközy separa-se da sua segunda esposa, Christine de Ganay, que estabelece então uma relação com o segundo homem mais importante da administração central do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Christine de Ganay se casa com ele e instala-se na América. Sendo o mundo tão pequeno, como é bem sabido, seu marido não resulta outro senão Frank Wisner Jr., filho do anterior Frank Wisner. As funções de Junior na CIA não são conhecidas, mas é claro que ele desempenha um papel importante. Nicolas, que permanece muito próximo da sua mãe adotiva, do seu meio irmão e da sua meia irmã, começa a voltar-se para os Estados Unidos onde se “beneficia” dos programas de formação do Departamento de Estado.

Nesse período, Nicolas Sarkozy adere ao partido gaullista. Ali se relaciona rapidamente com Charles Pasqua, que não é só um líder nacional como também o responsável da seção departamental de Hauts-de-Seine.

Em 1982, Nicolas Sarkozy, tendo concluído seus estudos de direito e sendo já membro do Colégio de Advogados, se casa com a sobrinha de Achille Peretti. Charles assiste à boda como padrinho do noivo. Enquanto advogado, Mestre Sarkozy defende os interesses dos amigos corsos dos seus mentores. Ele adquire uma propriedade em Córsega, em Vico, e analisa até dar um som corso a seu nome substituindo o “y” por um “i”: Sarkozi.

No ano seguinte é eleito prefeito de Neuilly-sur-Seine em substituição do seu tio adotivo, Achille Peretti, abatido por uma crise cardíaca.

Entretanto, Nicolas não tarda em trair sua mulher e, desde 1984, mantém uma ligação clandestina com Cecília, a esposa do mais célebre animador da televisão francesa da época, Jacques Martins, que conheceu ao celebrar seu casamento na qualidade de prefeito de Neully. Esta vida dupla dura cinco anos, até que os amantes deixem seus consortes respectivos para construir um novo lar.

Nicolas é testemunha de casamento, em 1992, da filha de Jacques Chirac, Claude, com um editorialista do jornal francês Le Figaro. Incapaz de se conter, seduz Claude e  mantém  uma breve relação com ela, enquanto vive oficialmente com Cecília. O marido enganado suicida-se com o uso de drogas. A ruptura é brutal e irreversível entre a família Chirac e Nicolas Sarkozy.

Em 1993, a esquerda perde as eleições legislativas. O presidente François Mitterand se nega a renunciar e começa a co-habitar com um primeiro-ministro de direita. Jacques Chirac, que ambiciona a presidência e planeja então formar com Edouard Balladur um dueto comparável àquele de De Gaulle e Pompidou, recusa-se a ser novamente primeiro-ministro e cede o lugar a seu “amigo de trinta anos”, Edouard Balladur. Apesar do seu passado turbulento, Charles Pasqua torna-se ministro do Interior. Conservando firmemente o controle da maconha marroquina, ele aproveita seu cargo para legalizar suas outras atividades tomando o controle dos cassinos, jogos e corridas na África francófona. Ele também estabelece ligações na Arábia Saudita e em Israel e torna-se oficial de honra (officier d’honneur) do Mossad. Nicolas Sarkozy, por sua vez, é ministro do Orçamento e porta-voz do governo.

Em Washington, Frank Wisner Jr. assumiu a sucessão de Paul Wolfowitz como responsável pelo planejamento político no Departamento de Defesa. Ninguém comentou as ligações que o uniam ao porta-voz do governo francês.

É então que retorna ao seio do partido gaullista a tensão que se experimentara trinta anos antes entre os gaullistas históricos e a direita financeira, encarnada por Balladur. A novidade é que Charles Pasqua, e com ele o jovem Nicolas Sarkozy, traem Jacques Chirac para se aproximarem da corrente Rothschild. Tudo degenera. O conflito atingirá seu apogeu em 1995 quando Édouard Balladur se apresenta como candidato à presidência contra o seu ex-amigo Jacques Chirac, e resulta derrotado. O mais importante é que, seguindo as instruções de Londres e Washington, o governo Balladur abre as negociações para a entrada à União Européia e à OTAN dos Estados da Europa Central e Oriental, já fora da tutela soviética.

Nada dá certo no partido gaullista, onde os amigos de ontem estão agora dispostos a matar-se uns aos outros. Para financiar a sua campanha eleitoral, Edouard Balladur tenta apoderar-se das reservas secretas do partido gaullista, escondidas na dupla contabilidade da petroleira Elf. Assim que morreu o velho Étienne Léandri, os juízes examinaram os registros da empresa e os seus dirigentes são encarcerados. Mas Balladur, Pasqua e Sarkozy nunca conseguiram recuperar o botim.

Continua na próxima edição.

* Analista político, fundador do Réseau Voltaire. Último livro publicado, L´Effroyable imposture 2 (a remodelação do Oriente Próximo e a guerra israelense contra o Líbano).

Tuesday, August 11, 2009

Sete punhais cravados no coração da América

Sete punhais cravados no coração da América -1

FIDEL CASTRO

Leio e releio dados e artigos elaborados por personalidades inteligentes, conhecidas ou pouco conhecidas, que escrevem em diversos meios e tomam a informação de fontes não questionadas por ninguém.

Os povos que habitam o planeta, em todos os lugares, correm riscos econômicos, ambientais e bélicos, derivados da política dos Estados Unidos, mas em nenhuma outra região da terra são ameaçados por tão graves problemas como seus vizinhos, os povos que moram neste continente ao Sul desse país hegemônico.

A presença de tão poderoso império, que em todos os continentes e oceanos dispõe de bases militares, porta-aviões e submarinos nucleares, navios de guerra modernos e aviões de combate sofisticados, portadores de todo tipo de armas, centenas de milhares de soldados, cujo governo reclama para eles impunidade absoluta, constitui a mais importante dor de cabeça de qualquer governo, seja de esquerda, centro ou direita, aliado ou não dos Estados Unidos.

O problema, para os que somos vizinhos dele, não é que ali se fale outro idioma e seja uma nação diferente. Há norte-americanos de todas as cores e todas as origens. São pessoas iguais a nós e capazes de qualquer sentimento num sentido ou outro. O dramático é o sistema que ali se desenvolveu e impôs a todos. Tal sistema não é novo quanto ao uso da força e os métodos de domínio que têm prevalecido ao longo da história. O novo é a época que vivemos. Abordar a questão destes pontos de vista tradicionais é um erro e não ajuda ninguém. Ler e conhecer o que pensam os defensores do sistema ilustra muito, porque significa estarmos conscientes da natureza de um sistema que se apóia no apelo constante ao egoísmo e aos instintos mais primários das pessoas.

Se não existisse a convicção do valor da consciência, e sua capacidade de prevalecer sobre os instintos, não se poderia expressar sequer a esperança de mudança em qualquer período da brevíssima história do homem. Tampouco poderia se compreender os terríveis obstáculos que se levantam para os diferentes líderes políticos nas nações latino-americanas ou ibero-americanas do hemisfério. Em última instância, os povos que viviam nesta área do planeta desde há dezenas de milhares de anos, até a famosa descoberta da América, não tinham nada de latinos, de ibéricos ou de europeus; seus traços eram mais parecidos aos asiáticos, donde procederam seus antepassados. Hoje os vemos nos rostos dos índios do México, América Central, Venezuela, Colômbia, Equador, Brasil, Peru, Bolívia, Paraguai e Chile, um país onde os araucanos escreveram páginas inesquecíveis. Em determinadas zonas do Canadá e no Alaska conservam suas raízes indígenas com toda a pureza possível. Mas no território principal dos Estados Unidos, grande parte dos antigos habitantes foi exterminada pelos conquistadores brancos.

Como todo mundo sabe, milhões de africanos foram arrancados de suas terras para trabalhar como escravos neste hemisfério. Em algumas nações como Haiti e grande parte das ilhas do Caribe, seus descendentes constituem a maioria da população. Em outros países formam amplos setores. Nos Estados Unidos os descendentes de africanos constituem dezenas de milhões de cidadãos que, como norma, são os mais pobres e discriminados.

Ao longo de séculos essa nação reclamou direitos privilegiados sobre nosso continente. Nos anos de Martí tentou impor uma moeda única baseada no ouro, um metal cujo valor tem sido o mais constante ao longo da história. O comércio internacional, em geral, se baseava nele. Hoje nem sequer isso. Desde os anos de Nixon, o comércio mundial se fez com o bilhete de papel impresso pelos Estados Unidos: o dólar, uma divisa que hoje vale cerca de 27 vezes menos que no início da década de 70, é uma das tantas formas de dominar e calotear o resto do mundo. Hoje, porém, outras divisas estão substituindo o dólar no comércio internacional e nas reservas de moedas conversíveis.

Se por um lado as divisas do império se desvalorizam, por outro suas reservas de forças militares crescem. A ciência e a tecnologia mais moderna, monopolizadas pela superpotência, têm sido derivadas em grau considerável para o desenvolvimento das armas. Atualmente não se fala só de milhares de projéteis nucleares, ou do poder destrutivo moderno das armas convencionais; se fala de aviões sem pilotos, tripulados por autômatos. Não se trata de simples fantasia. Já estão sendo usadas algumas naves aéreas desse tipo no Afeganistão e outros pontos. Informes recentes assinalam que num futuro relativamente próximo, em 2020, muito antes que a calota da Antártida se derreta, o império, entre seus  2.500 aviões de guerra, projeta dispor de 1.100 aviões de combate F-35 e F-22, em suas versões de caça e bombardeiros da quinta geração. Para se ter uma idéia desse potencial, baste dizer que os que dispõem na base de Soto Cano, em Honduras, para o treinamento de pilotos desse país, são F-5; os que forneceram às forças aéreas da Venezuela antes de Chávez, ao Chile e outros países, eram pequenas esquadrilhas de F-16.

Mais importante ainda, o império projeta que no transcurso de 30 anos todos os aviões de combate dos Estados Unidos, desde os caças até os bombardeiros pesados e os aviões cisterna, serão tripulados por robôs.

Esse poderio militar não é uma necessidade do mundo, é uma necessidade do sistema econômico que o império impõe ao mundo.

Qualquer um pode compreender que se os autômatos podem substituir os pilotos de combate, também podem substituir os operários em muitas fábricas. Os acordos de livre comércio que o império trata de impor aos países deste hemisfério implicam em que seus trabalhadores terão que concorrer com a tecnologia avançada e os robôs da indústria ianque.

Os robôs não fazem greves, são obedientes e disciplinados. Vimos pela televisão máquinas que recolhem as maçãs e outras frutas. A pergunta cabe ser feita também aos trabalhadores norte-americanos. Onde estarão os postos de trabalho? Qual é o futuro que o capitalismo sem fronteiras, em sua fase avançada do desenvolvimento, atribui aos cidadãos?

Havana, 5/8/2009

 

 

Sete punhais cravados no coração da América - 2

FIDEL CASTRO

À luz desta e de outras realidades, os líderes dos países da Unasul, Mercosul, Grupo do Rio e outros, não podem deixar de analisar a  justíssima pergunta venezuelana: Que sentido têm as bases militares e navais que os Estados Unidos querem estabelecer em torno de Venezuela e no coração da América do Sul?

Lembro-me que, há vários anos, quando entre a Colômbia e a Venezuela - duas nações irmanadas pela geografia e pela história -, as relações se tornaram perigosamente tensas, Cuba promoveu silenciosamente grandes passos para a paz entre os dois países. Nunca os cubanos estimularam a guerra entre países irmãos.

A experiência histórica, o destino proclamado e executado pelos Estados Unidos e a fragilidade das acusações contra a Venezuela sobre um fornecimento de armas para as Farc, juntamente com as negociações com o objetivo de conceder sete pontos do território colombiano para a utilização naval e aérea das Forças Armadas dos Estados Unidos, obrigam, inevitavelmente, a Venezuela a investir em armas, recursos que poderiam ser empregados na economia, nos programas sociais e na cooperação com outros países da região com menos desenvolvimento e recursos.

A Venezuela não se arma contra o povo irmão da Colômbia, se arma contra o império, que tentou destruir a Revolução e agora pretende instalar nas proximidades da fronteira venezuelana suas sofisticadas armas.

Seria um erro grave pensar que a ameaça é só contra a Venezuela; é dirigida a todos os países do sul do continente. Nenhum poderá escapar do tema e assim declararam vários deles.

As gerações presentes e futuras vão julgar os seus líderes pela conduta adotada neste momento. Não se trata só dos Estados Unidos, mas dos Estados Unidos e do sistema. O que oferece? O que busca?

RUÍNA ANTECIPADA

Oferece a Alca, quer dizer, a ruína antecipada de todos os nossos países, livre trânsito de bens e de capital, porém não livre trânsito de pessoas. Experimentam agora o temor de que a sociedade opulenta, consumista, seja inundada por latinos pobres, índios, negros e mulatos, ou brancos sem emprego em seus próprios países.

Devolvem todos os que cometem faltas. Os matam muitas vezes antes de entrar, ou os devolvem como rebanhos quando necessitam; 12 milhões de imigrantes latinoamericanos ou caribenhos são ilegais nos Estados Unidos. Uma nova economia surgiu em nossoa países, especialmente nos menosres e mais pobres: a das remessas.

Quando há crise, esta golpeia sobretudo aos imigrantes e a seus familiares. Pais e filhos são cruelmente separados, às vezes para sempre. Se o imigrante está em idade militar, lhe outorgam a possibilidade de se alistar para combater a milhares de quilômetros de distância, “em nome da liberdade e da democracia’’.

No regresso, se não morrem, lhes é concedido o direito de serem cidadãos dos Estados Unidos. Como estão bem treinados, lhes oferecem a possibilidade de serem contratados não como soldados oficiais, porém como civis das empresas privadas que prestam serviço nas guerras imperiais de conquista.

Existem outros gravíssimos perigos. Constantemente chegam notícias dos imigrantes mexicanos e de outros países de nossa região que morrem tentando cruzar a fronteira. A cota de vítimas supera a cada ano a totalidade dos que perderam a vida nos quase 28 anos de existência do famoso muro de Berlim.

O mais incrível, todavia, é que circula pelo mundo a notícia de uma guerra que custa neste momento milhares de vidas por ano. Morreram já, em 2009, mais mexicanos que soldados norte-americanos na guerra de Bush contra o Iraque ao longo de toda a sua administração.

A guerra no México foi desencadeada por causa do maior mercado de drogas que existe no mundo: os Estados Unidos. Mas, no seu território não existe uma guerra entre a polícia e as Forças Armadas dos Estados Unidos lutando contra os traficantes de droga. A guerra tem sido exportada para o México e a América Central, mas especialmente ao país asteca, mais próximo do território dos Estados Unidos.

As imagens que são divulgados pela televisão, pilhas de cadáveres, e as notícias que chegam de pessoas mortas nas próprias salas de curugia, onde tentatam salvar-lhes as vidas são horríveis. Nenhuma destas imagens provêm do território norte-americano.

Esta onda de violência e sangue estende-se em maior ou menor grau pelos países da América do Sul. De onde vem o dinheiro (das drogas) senão do infinito manancial que emerge de mercado norte-americano? Por sua vez, o consumo tende também a se espalhar para outros países na região, causando mais vítimas e mais danos diretos ou indiretos que a Aids, a malária e outras doenças juntas.

PLANOS IMPERIAIS

Os planos imperiais de dominação são precedidos por somas destinadas às tarefas de mentir e desinformar a opinião pública. Contam, para isso, com a total cumplicidade da oligarquia, a burguesia, a direita intelectual e os meios de comunicação de massa. 

São especialistas em divulgar os erros e as contradições dos políticos.

O destino da humanidade não deve ser deixado nas mãos de robôs convertidos em pessoas ou de pessoas convertidas em robôs.

Em 2010, o governo dos EUA usará US$ 2,2 bilhões através do Departamento de Estado e da USAID para promover a sua política, 12% a mais que os empregados pelo governo Bush no último ano de seu mandato. Destes, cerca de 450 milhões se destinarão a demonstrar que a tirania imposta ao mundo significa democracia e respeito pelos direitos humanos.

Apelam constantemente ao instinto e ao egoísmo dos seres humanos; desprezam o valor da educação e da consciência. É evidente a resistência demonstrada pelo povo cubano ao longo de 50 anos. Resistir é a arma à qual não podem renunciar jamais os povos; os portorriquenhos conseguiram parar as manobras militares em Vieques, situando-se no polígono de tiro.

A pátria de Bolívar é hoje o país que mais lhes preocupa, por seu papel histórico na luta pela independência dos povos da América. Os cubanos que prestam ali seus serviços como especialistas da saúde, educadores, professores de educação física e esporte, informática, técnicos agrícolas, e outras áreas, devem dar tudo no cumprimento de seus deveres internacionalistas, para mostrar que as pessoas podem resistir e ser portadoras dos princípios mais sagrados da sociedade humana.

Caso contrário, o império irá destruir a civilização e a própria espécie.
Havana, 5 de agosto de 200

Mídia dos EUA abafa prisão ilegal de Cynthia McKinney em Israel

 

MUMIA ABU-JAMAL*

Cynthia McKinney, a ex-congressista pela Califórnia, conhecida por não ter papas na língua e candidata a presidente pelo Partido Verde, saiu recentemente da cadeia.
Sim. É verdade. Saiu da cadeia.

É provável que você não tenha a menor ideia de porque a congressista McKinney esteve presa.

É verdade. Ela foi presa por quase uma semana em Israel.

Seu crime? A congressista acompanhou um grupo do Movimento pela Liberdade de Gaza que levava remédios, oliveiras, cimento e brinquedos para os desesperados palestinos cujo território de Gaza foi ocupado por Israel.

McKinney e outros 21 membros do grupo foram impedidos de desembarcar no litoral de Gaza; foram presos pela Marinha israelense, no que ela chamou de “uma monstruosa violação da lei internacional”.

McKinney fazia parte de uma missão humanitária internacional para ajudar um povo oprimido – não com armas – mas sim com brinquedos e remédios – e foram atirados ao cárcere.

Surpreendi-me muito quando soube em uma recente ligação telefônica o que havia acontecido à congressista em Israel; porque não havia escutado ou lido absolutamente nada sobre isso.

Um aliado favorito dos EUA, que recebe mais ajuda militar norte-americana do que nenhuma outra nação da Terra, simples e rasteiramente, sem nenhum consideração, atira em uma cela de cadeia uma mulher que foi congressista, candidata à presidência e líder do movimento negro pelos direitos civis... e poucas fontes dos meios de comunicação dos EUA consideram a notícia digna de ser divulgada.

Foram tão imprescindíveis as reportagens diárias, de capa a capa, sobre Michael Jackson?

Segundo uma reportagem publicada depois que apareceu pela primeira vez em sua página MySpace, McKinney escreveu o seguinte, logo após ser posta em liberdade:
“Nós estávamos em águas internacionais em um barco que levava ajuda humanitária ao povo de Gaza quando barcos da Marinha israelense nos rodearam e ilegalmente nos ameaçaram, desmantelaram nosso equipamento de navegação, subiram à bordo e confiscaram nosso barco... Todos fomos retirados e nos prenderam; nos levaram a Israel e nos colocaram na cadeia”. (Fonte: Tribuna da Filadélfia, 7/7/09)

Incrível! Cynthia McKinney na cadeia – em Israel – por levar medicamentos aos doentes, brinquedos para crianças e por levar auxilio e solidariedade aos oprimidos cuja terra foi ocupada!

(Ah! O nome do barco? Se chamava “Espírito de Humanidade”)
E isso não é notícia?


*Mumia Abu-Jamal, jornalista e militante antirracista, é preso político nos EUA há 28 anos. Teve a pena de morte anulada em 27 de março do ano passado e continua a luta de três década por um julgamento legítimo.


Título original do artigo: “Nada para Gaza: A Viagem de Cynthia McKinney a Israel”

A mídia e seus chacais de guarda

 

Foi se criando uma verdadeira casta de jornalistas, empregados dos maiores meios de imprensa no Brasil, promíscuos com o poder, que renunciam a qualquer ataque aos interesses do poder que dominou o país durante séculos: capital financeiro, grandes monopólios, latifundiários, as próprias grandes empresas monopólicas da mídia, o imperialismo norte-americano, o FMI, o Banco Mundial, a direita política – Tucanos, DEM, FHC, Serra

EMIR SADER *

O que seria dos interesses das elites dominantes, se não contassem com escribas, pagos pelas empresas de mídia privada, para tentar fazer passar esses interesses como se fossem os interesses do país? Para isso eles contam com equipes de “cães de guarda”, que defendem, com unhas e dentes, os interesses das elites dominantes, especialmente concentrados na mídia.

Tentam, por exemplo, identificar a liberdade com a liberdade do capital, condenando qualquer forma de limitação à sua livre circulação. Tentar identificar liberdade com a existência da grande propriedade privada, opondo-se a qualquer definição de critérios sociais para a propriedade, especialmente a monopólica e a propriedade não produtiva no campo, opondo-se a qualquer tipo de ação de socialização da propriedade. Porque essas próprias empresas são monopolistas.

O filósofo francês Paul Nizan escreveu um livro, em 1932, a que deu o nome de “Cães de guarda” para se referir aos intelectuais que prestam serviço de promover legitimidade e dar razões de sobrevivência ao poder das elites dominantes. “Eles adorariam ser Zola, mas para acusar as vítimas...”, escreve Serge Halimi, no prefácio da edição mais recente do livro, mencionando como esses guardiães da ordem estabelecida adoram estar de acordo com seus patrões, acusando os pobres, os marginalizados, as vítimas do sistema, como se fossem verdugos. “Quanto à sua obra, ela se autodestrói um quarto de segundo depois do tiro de morteiro midiático...”, acrescenta Halimi.

Na introdução do livro de Halimi, “Os novos cães de guarda” – publicado no Brasil pela Jorge Zahar -, Pierre Bourdieu recorda como trabalhos de denúncia desse tipo contribuem a “arruinar um dos suportes invisíveis da prática jornalística, a amnésia...” E se pergunta: “por que, de fato, os jornalistas não deveriam responder por suas palavras, dado que eles exercem um tal poder sobre o mundo social e sobre o próprio mundo do poder?”.

Mas, entrando já diretamente nos chacais de guarda daqui – para não ofender aos cães -, se tiverem paciência, olhem alguns dos livros que decretaram o fim do governo Lula em 2005. Uma jornalista que insiste em fazer comentários sem voltar sobre o que disse ontem, sustentava seu livro oportunista para ganhar dinheiro e agradar seus patrões com a crise de 2005, apoiada por outro colunista que come nas mesmas mãos, que reiterava essa morte do governo na contracapa do livro. Como não têm compromisso algum com o que escrevem, que só se justifica pelos serviços prestados a seus empregadores, fontes e outros representantes das elites dominantes, seguem em frente como se não tivessem dito nada ontem, como seguirão amanhã fingindo que não disseram nada hoje. Não são mais do que ventríloquos dessas elites.

Indo mais longe: a imprensa que convocou os militares a dar golpe militar, apoiou a derrubada do governo legalmente constituído de Jango e sustentou o golpe militar, inclusive reproduzindo as versões mentirosas que escondiam os sequestros, as torturas e os fuzilamentos dos opositores, segue de acordo com as posições que tiveram. Um dos jornais, que emprestou seus carros para que os órgãos repressivos da ditadura atuassem disfarçados de jornalistas, nem sequer tentou se defender das gravíssimas acusações, que fazem com que a empresa, os jornais que publicam e os membros dos comitês editoriais, tenham as mãos sujas de sangue pelos sequestros, torturas e execuções da ditadura. Ao não fazerem autocrítica, automaticamente aceitam ter cometido esses crimes de lesa democracia e jornalismo minimamente objetivo.

Essa mesma mídia vive acusando o povo de “não ter memória”. Talvez seja essa a razão pela qual elege e reelege os lideres políticos execrados diariamente pela mídia, porque hoje não obedece a seus desígnios.

Mas são eles os primeiros a cultuarem a falta de memória, a amnésia de todos, ao esquecer o que disseram ontem. Estiveram a favor da ditadura, com que moral acusam governos e partidos de não ser democráticos?

O que dizem os empregados de uma empresa que praticamente nasceu durante a ditadura, foi o órgão oficial da ditadura? Que legitimidade acreditam que podem ter órgãos dessa empresa?

Um dos colunistas de um dos jornais da imprensa de propriedade de uma das poucas famílias que dominam de forma monopolista o ramo, se orgulha de nunca ter ido aos Fóruns Sociais Mundiais, por ter ido a todos os Fóruns de Davos – onde manifestamente ele se sente no seu mundo. Seria bom ele ouvir agora os arautos da globalização – incluído seu prócer FHC – para saber o que pensam da crise atual, provocada por suas políticas. Teria que se deslocar não a Davos, mas a algumas prisões, onde alguns deles foram encarcerados, depois de reveladas suas trapaças – aliás, nenhuma delas revelada pela imprensa, conivente e complacente com os ricaços de Davos.

Um outro jornalista disse, em outro momento da sua carreira, em conferência pública, que quando um jornalista senta para escrever uma matéria, pensa, em primeiro lugar, no dono da empresa; em segundo, nas fontes do que vai publicar; em terceiro na enorme quantidade de desempregados do lado de fora da empresa. A esse filtro haveria que acrescentar as agências de publicidade e os grandes grupos econômicos que financiam os órgãos de imprensa e acabam pagando os seus salários.

Foi se criando uma verdadeira casta de jornalistas, empregados dos maiores meios de imprensa no Brasil, promíscuos com o poder, que renunciam a qualquer ataque aos interesses do poder que dominou o país durante séculos: capital financeiro, grandes monopólios, latifundiários, as próprias grandes empresas monopólicas da mídia, o imperialismo norte-americano, o FMI, o Banco Mundial, a OMC, a direita política – Tucanos, DEM, FHC, Serra, Tasso Jereissatti, Jarbas Vasconcellos.

Preferem, para conveniência de seus empregos e dos interesses dos seus patrões, atacar o que incomoda à direita – sindicatos, o MST, o pensamento crítico, as universidades públicas, os partidos de esquerda.

Além dos casos mencionados, há os pobres diabos que querem adquirir certo verniz “intelectual” – não aguentam a inveja do pensamento crítico – e citam autores, viajam pelo mundo em eventos sem nenhuma importância, escrevem em jornais e falam em rádios e TVs, sem nenhum prestígio, colunas que ninguém leva a sério ou mesmo lê. Um deles foi chefe de gabinete de um dos ditadores, depois foi demitido, fotografado na cama para a Playboy, tentando mostrar méritos que não conseguiu na política, e que circulava nos governos anteriores com toda promiscuidade pelos ministérios e Palácio do Planalto – de que esse tipo de gente sentem uma falta danada.

A ideologia do “’quarto poder” se tornou antiquada, porque o monopólio da mídia privada detém muito mais poder do que isso, termina dando direção ideológica e política aos fracos partidos opositores. Claro que o que realmente não são é “contra-poder”, porque na verdade fazem parte intrínseca dos poderes constituídos, como força conservadora.

Como a notícia se transformou definitivamente em uma mercadoria na mão dessa casta, perdeu toda credibilidade. Conhece-se o caso de colunistas econômicos que fingem estar preocupados com a situação de um setor do empresariado, ao vendem reunião e assessoria com eles, em troca de defender mais explicitamente seus interesses. Se devem às suas fontes, a tal ponto que a editoria econômica passou a ser a mais comprometida com os interesses criados, de forma similar a como certa cobertura policial se deve às fontes nas delegacias e nas polícias, sem as quais ficam sem seus “furos”.

“Quem paga, comanda”, recorda Halimi. E a mídia, como sabemos, é financiada não pelos leitores com as compras na banca e as assinaturas, mas pelas agencias de publicidade. E vejam quem são os grandes anunciantes, com os quais a mídia tem o rabo preso – bancos, telefonias, fábricas de automóveis, etc. Não pelas organizações populares, sindicatos, centros culturais, nada disso. Quem paga, comanda. Já viram jornais, rádios, televisões, colunistas, fazendo campanha de denúncia – com um pouquinho da sanha que têm contra o governo e a esquerda – contra os bancos, suas falcatruas, contra as grandes corporações multinacionais, contra a lavagem de dinheiro nos paraísos fiscais? Não, porque seria tiro no pé, atentado contra os que financiam a essa mídia.

Perguntado sobre como a elite controla a mídia, Chomsky respondeu: “Como ela controla a General Motors? A questão nem se coloca. A elite não tem que controlar a General Motors. Ela lhe pertence”. Albert Camus disse que a mídia francesa se tornou “a vergonha do país.” E a nossa? O Brasil e seu povo têm orgulho ou vergonha dessa mídia que anda por aí?

A lei apresentada pelo governo argentino para regulamentar o audiovisual – umas das razões da brutal ofensiva da imprensa de lá contra seu governo – determina que as empresas da mídia têm que declarar publicamente suas fontes de financiamento – quem as financia, com que quantidades de dinheiro. Poderiam aproveitar e declarar publicamente quanto ganham os magnatas dessa casta midiática, enquanto a massa dos jornalistas ganha uma miséria, é terceirizada e passível a qualquer momento de ser mandada embora, se não cumpre à risca as orientações que os chacais lhes impõem. Um jornalista norte-americano citado por Halimi, disse: “Sobre as questões econômicas (impostos, ajuda social, política comercial, luta contra o déficit, atitude em relação aos sindicatos), a opinião dos jornalistas de renome tornou-se muito mais conservadora à medida que suas rendas foram aumentando”.

Quem discorda dos consensos que tentam impor nos seus desagradabilíssimos e redundantes programas de entrevistas ou suas colunas de merchandising, como se sabe, é chamado de “populista”, de “demagogo”, de “aventureiro”. Que são, como também se sabe, os governantes que fazem políticas sociais e têm alto nível de apoio da população. Por isso chamam sempre os mesmos, seus amigos, operadores das bolsas de valores, empresários que passam a lhes dever favores, para dizer as mesmas baboseiras que a realidade não se cansa de desmentir.

“Mídias cada vez mais concentradas, jornalistas cada vez mais dóceis, uma informação cada vez mais medíocre” – conclui Halimi. E cita um político de direita francês, Claude Allègre, sobre as possibilidades do meio midiático se reformar: “Eu vou lhes dar uma resposta estritamente marxista, eu que jamais fui marxista: porque não há interesse... Por que vocês queriam que os beneficiários dessa situação sintam necessidade de mudá-la?”. E, para concluir, conforme se aproxima a Conferência Nacional de Comunicação, declaração do também conservador jornalista francês Jacques Julliard:  “Uma das reformas mais urgentes neste país, seria aquela que pudesse dar às mídias um mínimo de seriedade e de dignidade. Sobretudo de dignidade!”.

* Mestre em filosofia política, escritor e professor de sociologia da UERJ. O artigo foi publicado originalmente no Blog do Emir, com o título “Os chacais de guarda”.