Thursday, July 31, 2008

Ali Kamel, o "mais pior" dos jornalistas

 

Mauro Carrara*

Kamel entrava por uma porta da matriz de São Félix do Araguaia, enquanto o lépido prelado espanholito saía pela outra. Exaurido, molhado e humilhado, sem qualquer informação, o repórter da Veja retornou ao Rio de Janeiro, onde bolou uma pensata para enfiar nas colunetas anti-Teologia da Libertação da revista do Seo Civita.

É longa a lista de reveses do jornalista, longa o bastante para a edição de uma bela brochura de inconfidências. Se não se saía lá muito bem como repórter e redator, Kamel empenhou-se em mostrar fidelidade canina a seus patrões. Como sabujo, prosperou. Em O Globo, notabilizou-se como chefete, a um só tempo fraco e cruel. Dirigindo-se aos subordinados, costumava repetir um argumento de coação: "você vai fazer porque estou mandando, e porque minha mãe precisa ler essa matéria amanhã cedo".

Kamel é autor do livro Não Somos Racistas, um espetacular exercício de farsa epistemológica, em que ousa até distorcer estudos do finado Florestan Fernandes. Nessa peça velhaca, destinada a desqualificar a instituição de cotas raciais nas universidades, o jornalista afirma, em cândida patifaria, que findará a desigualdade quando todos tiverem as mesmas condições. Em 200 páginas marotas, no entanto, não logra estabelecer um modelo alternativo para que se obtenha um alinhamento na oferta de oportunidades.

Tamanhas demonstrações de afinação com o pensamento dos barões da mídia renderam a Kamel o cargo de diretor de jornalismo da Rede Globo de Televisão. Neste Agosto de rescaldo, estreou como assessor, e escreveu A Grande Imprensa, conjunto de mal traçadas linhas destinadas a apresentar defesa da mídia monopolista, fortemente criticada depois da cobertura criminosa da tragédia com o Airbus da TAM.

Kamel afirma que a "grande imprensa" vem sendo atacada por setores "autoritários e antidemocráticos" que "sentem-se ameaçados". Cabe perguntar ao assessor de imprensa dos barões quais seriam os tais setores autoritários. Caso se refira ao Governo Federal, vale uma reflexão sobre a tal "liberdade de imprensa", obsessivamente evocada pelos golpistas brasileiros. Se tal direito é garantido ao meios de comunicação, por que não pode ser estendido àqueles que, por eles, se julgam injuriados, caluniados e difamados? Em sua sofística de botequim, Kamel parte do pressuposto absurdo de que a liberdade de expressão é unilateral. Vale, portanto, apenas para aqueles que detêm os meios de informação, e nunca para aqueles que neles são detratados.

Segundo Kamel, o tais setores autoritários consideram notícia apenas aquilo que não "atrapalha os seus planos de poder". A crítica tem endereço: o governo Lula e os partidos da base aliada. Não se vê, entretanto, o capitão-do-mato dos Marinho exigir autonomia quando jornalistas, inclusive da Rede Globo, são pressionados e ameaçados por figuras como o governador de São Paulo, José Serra, interventor eventual e informal em várias redações, nas quais freqüentemente faz rolar cabeças.

Ao criticar aqueles que se mobilizam contra a distorção do noticiário, Kamel diz que "mentem, atribuem à grande imprensa coisas que ela não fez e denunciam conspirações inexistentes". Cabe novamente indagar: quem mente? Ex-globais como Paulo Henrique Amorim, Azenha e Rodrigo Vianna têm mostrado ao mundo, para perfeito entendimento, até dos entes planetários, que a emissora dos Marinho inventa, manipula e distorce. O relato público de Vianna, em especial, mostra de que maneira a Rede Globo se consolidou como podre partido político, conservador, fomentador do vale-tudo na campanha de desconstrução de imagens públicas.

A Rede Globo e a grande imprensa têm longa folha corrida. Do caso Escola Base ao caso TAM, há uma extensa relação de abusos, de distorções, de julgamentos sumários e de imputações indevidas. Conspirações? Existem, sim. Basta relembrar o que ocorreu quando do caso "dossiê", que levou a eleição presidencial ao segundo turno, em 2.006. Que Kamel nos responda:

a) por que a grande imprensa evitou qualquer investigação sobre a participação de José Serra e outros membros do PSDB na máfia dos sanguessugas?

b) por que até agora a Rede Globo não explicou de que modo foi obtida a foto do dinheiro pago pela documentação?

Aposto que Kamel não explicará. Sabe-se da vergonhosa tramóia que envolveu o delegado-15-minutos-de-fama e os reporteiros Boccardi e Tralli.

Seguindo em sua peça de defesa, Kamel arrisca um refinamento literário: "É uma tautologia, mas, na atual conjuntura, vale dizer: o jornalismo só é livre e independente quando não depende de nenhuma fonte exclusiva de financiamento". Poder-se-ia criticá-lo pelo pecado sintático, mas reza o livro da boa educação que nos restrinjamos ao debate de idéias.

"Livre" e "independente" são termos que não deveriam ser utilizados no caso de grandes redes de televisão. Designação imprópria. Não há ingenuidade que justifique a assertiva do assessor de imprensa. Logicamente, as grandes redes de TV não defendem um interesse específico e singular, mas uma doutrina política de viés conservador, propagandeada pelas grandes corporações e pelos setores políticos que lhes servem. Sabemos muito bem, por exemplo, por qual breviário ora o presidente da Philips.

Segundo Kamel, somente a grande imprensa "tem os meios para investir em recursos humanos e tecnológicos capazes de torná-la apta a noticiar os fatos com rapidez, correção, isenção e pluralismo, sem jamais se preocupar se o que é noticiado vai ser bom ou ruim para este ou aquele cliente, para este ou aquele governo".

Os brasileiros viram, no entanto, a propalada "isenção" da Globo na cobertura de duas tragédias recentes. Na primeira, na abertura da cratera do metrô, jamais se apresentou qualquer conjectura desfavorável ao governo de José Serra, preservado com máximo critério. No caso TAM, entretanto, a Globo adiantou-se em apresentar a causa do acidente, atribuindo-o à pista e, por tabela, ao presidente da República. Talvez, o critério de "isenção" seja o mesmo aplicado em 1989, na edição criminosa do debate presidencial.

Por fim, ao analisar o papel da imprensa na cobertura da tragédia da TAM, Kamel nos apresenta a pérola de seu texto: "como não é pitonisa, como não é adivinha, desde o primeiro instante foi, honestamente, testando hipóteses, montando um quebra-cabeça que está longe do fim". Ora, caro assessor, testando hipóteses?? Que que é isso? Se não é pitonisa, talvez copie os métodos do mago Merlim, em suas estripulias de invenção. Como testar, Seo Kamel? Deontologicamente, como admitir que a imprensa assuma esse papel? Estava em jogo, ali, a reputação de personalidades públicas, a imagem de técnicos de diversas áreas e a sensibilidade das famílias das vítimas da tragédia. A imprensa precisa é investigar, mas jamais emitir laudos. Pior, porque agora, admite-se que a Globo chutava, arriscava e apostava. Juntou-se a imperícia, a irresponsabilidade e a intenção de dolo.

O assessor Kamel afirma ainda que o grande público tem discernimento. Ora, se a Globo descobriu as capacidades do povo, por que não o respeita? Afinal, a maior parte dessas pessoas elegeu Luiz Inácio Lula da Silva duas vezes para a presidência da República. E se o telespectador exige mesmo informação de qualidade, por que William Bonner o compara a Homer Simpson? Ora, Seo Kamel, diante de tão incongruente argumentação, adivinhamos a causa de seu fracasso no jornalismo. E caso não dê refinamento ao produto de seu novo trabalho, é certo que também perderá o emprego de assessor.

*Mauro Carrara é jornalista do site NovaE

Tuesday, July 15, 2008

Lula: G-8 ignora especulação com a fome e culpa os países pobres

 

“Não aceitamos que peçam para os países pobres não crescerem, porque nós temos o direito de crescer e de melhorar a vida do nosso povo”

Ao avaliar a participação do Brasil na reunião do G-8, no Japão, na semana passada, o presidente Lula disse que levantou a questão dos preços dos alimentos “porque se discute muito genericamente e era importante que a gente levasse o debate para saber o que está acontecendo com a especulação nos alimentos - qual é o custo que o petróleo tem no preço dos produtos alimentícios no mundo? Quanto custa um frete? Quanto custa um fertilizante? -, para a gente poder saber claramente o que estamos discutindo”.

Para o presidente Lula, é importante os países em desenvolvimento darem a tônica nas discussões sobre a inflação no preço de alimentos e do petróleo. “Os países ricos não querem discutir nem a crise imobiliária americana, nem querem discutir os prejuízos que os bancos europeus tiveram, e procuram jogar a culpa em cima dos países em desenvolvimento”, alertou Lula.

O presidente destacou algumas questões importantes para o debate: “primeiro, não é o etanol ou os biocombustíveis os responsáveis pelo aumento dos alimentos. Segundo, não é por conta apenas da China que o petróleo está aumentando. Terceiro, as pessoas vão descobrir que um bom acordo na Rodada de Doha da OMC pode resolver esse problema do alimento, com incentivo para os países pobres produzirem mais, se diminuir o subsídio americano ou se abrir o mercado europeu para os produtos agrícolas. A única coisa que nós não podemos aceitar é pedirem para os pobres do mundo não comerem. Peçam-nos para produzir mais que nós vamos produzir, porque temos competência para fazer isso”, afirmou o presidente.

Lula refutou a tese de que o aumento dos preços do petróleo se deva ao descompasso entre oferta e demanda, principalmente ao aumento do consumo na China. “O que nós, hoje, estamos assistindo? A especulação no mercado futuro de petróleo já tem a mesma quantidade de barris de petróleo que a China consome. Então, nós temos um consumo verdadeiro da China, e nós temos um consumo virtual, através do mercado futuro, da especulação”.

“Eu estou falando tudo sem que a gente tenha um diagnóstico preciso, que possa ser assumido por muita gente. Mas o que está ficando como impressão, e vai se consolidando cada dia mais, é que aqueles que tiveram a experiência de perder muito dinheiro com o subprime americano estão, agora, utilizando dinheiro dos fundos para especular com o petróleo, para especular com alimentos”, observou Lula.

Após a reunião no Japão, o presidente Lula visitou o Vietnã, o Timor Leste e a Indonésia, onde assinou tratados de cooperação.

 

Hora do Povo

Tuesday, July 08, 2008

A Paz Romana

 

FIDEL CASTRO

Os dados que utilizo foram tomados fundamentalmente das declarações do embaixador dos Estados Unidos na Colômbia, William Brownfield, à imprensa e à televisão desse país, à imprensa internacional e outras fontes. Impressiona a dilapidação de tecnologia e recursos econômicos utilizados.

Enquanto os altos chefes militares da Colômbia se esmeravam em assinalar que a operação de resgate de Ingrid Betancourt foi completamente colombiana, as autoridades dos Estados Unidos declaram que “foi o resultado de anos de intensa cooperação militar entre os exércitos da Colômbia e dos Estados Unidos.”

“A verdade é que temos conseguido compenetrar-nos de uma maneira que poucas vezes temos atingido nos Estados Unidos, salvo com nossos velhos aliados, principalmente da OTAN”, apontou Brownfield, referindo-se às relações com as forças de segurança colombianas, que receberam mais de 4 bilhões de dólares em assistência militar desde o ano 2000.

“…em várias ocasiões o governo dos Estados Unidos teve que tomar decisões em seus mais altos níveis para a operação.

“Os satélites espiões estadunidenses ajudaram a localizar os reféns durante um período de um mês que começou em 31 de maio e concluiu com o resgate da quarta-feira.”

“Os colombianos instalaram equipamentos de vigilância de vídeo, proporcionados pelos Estados Unidos, que podem fazer aproximações e tomadas panorâmicas operadas por controle remoto ao longo de rios que são a única rota de transporte através de densas zonas selváticas”, indicaram autoridades colombianas e estadunidenses.

“Aviões norte-americanos de reconhecimento interceptaram conversações por rádio e telefone via satélite dos rebeldes e empregaram imagens que podem penetrar a folhagem da selva.”

“O desertor receberá uma quantidade considerável dos cerca de cem milhões de dólares que o governo tinha oferecido como recompensa”, declarou o Comandante Geral do exército colombiano.

Na quarta-feira, 1 de julho, a BBC de Londres publicou que César Mauricio Velásquez, secretário de Imprensa da Casa de Nariño, informou que delegados da França e da Suíça se reuniram com Alfonso Cano, chefe das FARC.

Segundo a BBC, este seria o primeiro contacto que o novo chefe aceitava com delegados internacionais após a morte de Manuel Marulanda. A falsa informação sobre a reunião de dois emissários europeus com Cano fora transmitida desde Bogotá.

O falecido líder das FARC nasceu em 12 de maio de 1932, segundo o testemunho de seu pai. Camponês liberal de origem pobre, partidário de Gaitán, iniciou sua resistência armada há 60 anos. Foi guerrilheiro antes que nós, como reação perante as chacinas de camponeses perpetradas pela oligarquia.

O Partido Comunista - onde ingressou posteriormente -, como todos os da América Latina, estava sob a influência do Partido Comunista da URSS e não do de Cuba. Eram solidários com nossa Revolução, mas não subordinados.

Foram os narcotraficantes e não as FARC quem desataram o terror nesse país irmão em suas pugnas pelo mercado dos Estados Unidos fazendo estourar não só potentes bombas, mas inclusive caminhões carregados de explosivos plásticos que destruíram instalações, feriram ou mataram inúmeras pessoas.

Nunca o Partido Comunista da Colômbia se propôs conquistar o poder com as armas. A guerrilha era uma frente de resistência, não o instrumento fundamental da conquista do poder revolucionário, como aconteceu em Cuba. No ano 1993, na oitava conferência das FARC, decidiu-se romper com o Partido Comunista. Seu chefe, Manuel Marulanda, assumiu a direção das guerrilhas desse novo Partido, que sempre se distinguiram por um hermético sectarismo na admissão de combatentes e nos métodos ferrenhos e compartimentados de comando.

Marulanda, de notável inteligência natural e dotes de dirigente, não teve, contudo, oportunidades de estudo quando era adolescente. Fala-se que conseguiu estudar só até a 5ª série. Concebia uma longa e prolongada luta, um ponto de vista que eu não compartilhava. Nunca tive a possibilidade de intercambiar opiniões com ele.

As FARC atingiram uma força considerável e chegaram a ultrapassar os 10 mil combatentes. Muitos nasceram durante a própria guerra e não conheciam outra coisa. Outras organizações de esquerda rivalizaram com as FARC na luta. Já então o território colombiano tinha se transformado na maior fonte de produção de cocaína do mundo. A violência extrema, os seqüestros, os impostos e exigências aos produtores de drogas se generalizaram.

As forças paramilitares, armadas pela oligarquia, cujos efetivos se nutriam do enorme caudal de homens que emprestavam serviços nas forças armadas do país e eram desmobilizados cada ano sem emprego garantido, criaram na Colômbia uma situação tão complexa que apenas tinha uma saída: a paz verdadeira, embora longínqua e difícil como outras muitas metas da humanidade. A opção que durante três décadas Cuba tem defendido nessa nação.

Enquanto os jornalistas cubanos discutem em seu VIII Congresso as novas tecnologias da informação, os princípios e a ética dos comunicadores sociais, eu meditava sobre os acontecimentos assinalados.

Expressei com claridade nossa posição em favor da paz na Colômbia, porém não estamos a favor da intervenção militar estrangeira, nem da política de força que os Estados Unidos pretendem impor de qualquer jeito e a qualquer preço a esse povo sofrido e trabalhador.

Critiquei com energia e franqueza os métodos objetivamente cruéis do seqüestro e a retenção de prisioneiros nas condições da selva. Mas não estou sugerindo a ninguém que deponha as armas, se nos últimos 50 anos aqueles que o fizeram não sobreviveram à paz. Se algo me atrevo a sugerir aos guerrilheiros das FARC é simplesmente que declarem por qualquer via à Cruz Vermelha Internacional a disposição de pôr em liberdade os seqüestrados e prisioneiros que ainda estiverem em seu poder, sem condição alguma. Não pretendo ser ouvido; cumpro com o dever de expressar aquilo que penso. Qualquer outra conduta serviria apenas para premiar a deslealdade e a traição.

Nunca apoiarei a paz romana que o império pretende impor na América Latina.

Havana, 5 de julho de 2008