Wednesday, August 26, 2009

Operação Sarkozy: Como a CIA alçou um dos seus agentes à presidência da França (2)

 

As origens do presidente francês Nicolas Sarkozy e as alianças que o conduziram ao poder. Conforme o autor do artigo, todas as informações nele contidas são verificáveis, com exceção de duas imputações, pelas quais ele assume a responsabilidade exclusiva

THIERRY MEYSSAN*

Continuação da edição anterior

Ao longo de todo o seu primeiro mandato, Jacques Chirac manteve Nicolas Sarkozy à distância. Este último se mantém em silencio durante esta longa travessia do deserto. Discretamente, continua a estabelecer relações nos círculos financeiros.

Em 1996, Nicolas Sarkozy, depois de um longo processo de divórcio, casa-se com Cecília. Eles têm como padrinhos os dois milionários Martin Bouygues e Bernard Arnaud (o homem mais rico do país).

ÚLTIMO ATO

Muito antes da crise iraquiana, Frank Wisner Jr. e seus colegas da CIA planejam a destruição da corrente gaullista e a ascensão ao poder de Nicolas Sarkozy. Eles agem em três etapas: primeiro a eliminação da direção do partido gaullista e a tomada de controle de sua estrutura. Depois, a eliminação do principal rival de direita e a investidura do partido gaullista à eleição presidencial. E finalmente, a eliminação de todo rival sério à esquerda de maneira a que fosse certo que Sarkozy ganhasse a eleição presidencial da República Francesa.

Durante anos, os meios de comunicação foram mantidos pendentes das revelações póstumas de um promotor imobiliário. Antes de morrer de uma doença grave, ele registrou, por uma razão nunca esclarecida, uma confissão em vídeo. Por uma razão ainda mais obscura, esse “cassete” caiu nas mãos de um chefe do Partido Socialista, Dominique Strauss-Khan, que o fez chegar indiretamente à imprensa.

As confissões desse indivíduo não resultam em nenhuma sanção judicial, mas elas abrem uma caixa de Pandora. A principal vítima dos sucessivos escândalos será o primeiro-ministro Alain Juppé. Para proteger Chirac, ele assume sozinho todas as infrações penais. O afastamento de Juppé deixa o caminho livre a Nicolas Sarkozy para tomar a direção do partido gaullista.

Sarkozy explora então a sua posição para fazer Jacques Chirac reintegrá-lo ao governo, apesar do seu ódio recíproco. Ele acabou sendo ministro do Interior. Erro grave! Nesse cargo, Sarkozy controla os governadores e utiliza a polícia política, a qual ele utilizou para colocar os seus indicados nos principais setores da administração.

Ele também trata dos assuntos referentes à Córsega. O governador Claude Érignac foi assassinado. Embora ninguém tenha reivindicado a autoria do crime, o assassinato foi imediatamente interpretado como um desafio lançado à República pelos independentistas. Após uma longa caçada, a polícia conseguiu prender um suspeito em fuga, Yvan Colonna, filho de um deputado socialista. Desprezando a presunção de inocência, Nicolas Sarkozy anuncia a sua prisão acusando-o de ser o assassino. É que a notícia é demasiado bela, a dois dias do referendo que o ministro do Interior organiza na Córsega para modificar o estatuto da ilha. Apesar de tudo, os eleitores rejeitam o projeto Sarkozy que, segundo alguns, favorece os interesses mafiosos.

Mesmo que Yvan Colonna posteriormente tenha sido declarado culpado, ele sempre proclamou a sua inocência e não foi encontrada nenhuma prova material contra ele. Estranhamente, o homem se refugiou no silêncio, preferindo ser condenado a revelar o que sabe. Nós revelamos aqui que o governador Érignac não foi morto por nacionalistas, mas sim abatido por um assassino a soldo, imediatamente enviado para Angola onde foi contratado pelo grupo Elf como membro de seu corpo de segurança. O motivo do crime estava precisamente ligado às funções anteriores de Érignac, responsável pelas redes africanas de Charles Pasqua no Ministério da Cooperação. Quanto a Yvan Colonna, é um amigo pessoal de Nicolas Sarkozy há décadas e seus filhos frequentam-se mutuamente.

Explode um novo escândalo: circulam falsas listagens que acusam mentirosamente várias personalidades de esconderem contas bancárias em Luxemburgo, no banco Clearstream. Dentre as personalidades acusadas, Nicolas Sarkozy. Ele se defende apresentando uma queixa e da por entendido que seu rival de direita na eleição presidencial, o então primeiro-ministro Dominique de Villepin, organizou essa manobra. E não esconde sua intenção de colocá-lo atrás das grades.

Na realidade, as falsas listagens foram postas em circulação por membros da Fundação Franco-Americana, presidida por John Negroponte e administrada por Frank Wisner Jr. O que os juízes ignoram e que nós revelamos aqui é que as listagens foram fabricadas em Londres por um escritório comum da CIA e do MI6, Hakluyt & Co, administrado também por Frank Wisner Jr.

Villepin defende-se das acusações que lhe atribuem, mas é submetido a uma investigação e a uma prisão domiciliar e, de fato, é afastado provisoriamente da vida política. O caminho está livre pelo lado da direita para Nicolas Sarkozy.

Resta neutralizar as candidaturas da oposição. As mensalidades de adesão ao Partido Socialista são reduzidas a um nível simbólico, para atrair novos militantes. De repente, milhares de jovens obtêm seu cartão do partido. Dentre eles, pelo menos dez mil novos aderentes são, na realidade, militantes do Partido trotskista “lambertista” (em referência ao nome do seu fundador, Pierre Lambert). Esta pequena formação de extrema esquerda historicamente pôs-se a serviço da CIA contra os comunistas stalinistas durante a Guerra Fria (ela é o equivalente do SD/USA de Max Shatchman, que agrupou os neo-conservadores nos EUA). Não é a primeira vez que os “lambertistas” se infiltram no Partido Socialista. Eles anteriormente plantaram lá dois célebres agentes da CIA: Lionel Jospin (que se tornou primeiro-ministro) e Jean-Christophe Cambadélis, o principal conselheiro de Dominique Strauss-Kahn.

São organizadas primárias no interior do Partido Socialista com a finalidade de designar seu candidato à eleição presidencial. Duas personalidades participam da disputa: Laurent Fabius e Ségolène Royal. Só o primeiro representa um perigo para Sarkozy. Dominique Strauss-Kahn entra então na corrida com a missão de eliminar Fabius no último momento. E o conseguirá graças aos votos dos militantes “lambertistas” infiltrados, que não votarão nele, mas em Royal.

A operação foi possível porque Strauss-Kahn, de origem judia marroquina, está há muito na folha de pagamento dos Estados Unidos. Os franceses ignoram que ele dá aulas na universidade americana de Stanford, onde foi contratado nada mais nada menos pela Condoleezza Rice.

Imediatamente depois de sua tomada de posse na presidência, Nicolas Sarkozy e Condoleezza Rice agradecerão a Strauss-Kahn fazendo possível sua eleição para a direção do Fundo Monetário Internacional.

PRIMEIROS DIAS NO PALÁCIO DO ELISEU

Na noite do segundo turno da eleição presidencial, quando os institutos de pesquisa anunciam a sua provável vitória, Nicolas Sarkozy pronuncia um breve discurso à nação do seu QG de campanha. Depois, ao contrário de todos os costumes, ele não vai à festa com os militantes do seu partido, mas dirige-se ao Fouquet’s. O célebre restaurante dos Campos Elíseos, que outrora era o ponto de encontro da “União corsa”, hoje é propriedade do dono de cassinos Dominique Desseigne. Foi posto à disposição do presidente eleito para receber seus amigos e os principais doadores de recursos da sua campanha. Uma centena de convidados ali se acotovelam, os homens mais ricos da França ombro a ombro com donos de cassinos.

Depois disso, o presidente eleito se brinda com alguns dias de repouso bem merecidos. Um jet Falcon-900 privado o leva para Malta, onde descansa no Paloma, um iate de 65 metros do seu amigo Vicent Bolloré, um milionário formado no Banco Rothschild.

Finalmente, Nicolas Sarkozy toma posse como presidente da República Francesa. O primeiro decreto que assina não é para proclamar uma anistia, mas para autorizar os cassinos dos seus amigos Desseigne e Partouche a multiplicar as máquinas de caça-níqueis.

Sarkozy forma sua equipe de trabalho e seu governo. Não é surpreendente encontrar ali um suspeito proprietário de cassinos (o ministro da Juventude e Desporto) e o lobista dos cassinos do amigo Desseigne (que se torna porta-voz do partido “gaullista”).

Nicolas Sarkozy apóia-se principalmente em quatro homens:

- Claude Guéant, secretário-geral da Presidência da República. É sócio-gerente do Banco Rothschild.

- David Lévitte, conselheiro diplomático. Filho do antigo diretor da Agência Judia. Foi embaixador da França na ONU, até que foi afastado das suas funções por Chirac, que o julgava demasiado próximo de George Bush.

- Alain Bauer, o homem das sombras. Seu nome não aparece nos anuários. É o encarregado dos serviços de inteligência. Neto do Grande Rabi de Lyon, antigo Grão-Mestre do Grande Oriente da França (a principal loja maçônica francesa) e antigo nº. 2 da National Security Agency estadunidense na Europa.

- Frank Wisner Jr., que então fora nomeado enviado especial do presidente Bush para a independência de Kosovo, insiste em que Bernard Kouchner seja nomeado ministro de Relações Exteriores com uma dupla missão: a independência de Kosovo e a liquidação da política da França para o mundo árabe.

Kouchner, um judeu de origem báltica, começou sua carreira participando na criação de uma ONG humanitária. Graças aos financiamentos da National Endowment for Democracy, ele participou nas operações de Zbigniew Brzezinski no Afeganistão, ao lado de Osama Bin Laden e dos irmãos Karzai contra os soviéticos. Nos anos 90 podia ser encontrado junto a Alija Izetbegoviç na Bosnia-Herzégovina. De 1999 a 2001 foi Alto Representante da ONU em Kosovo.

Sob o controle do irmão mais novo do presidente Hamid Karzaï, o Afeganistão tornou-se o primeiro produtor mundial de papoula. O seu sumo é transformado ali em heroína e transportado pela US Air Force para Campo Bondsteel (Kosovo). Lá, a droga passa para os homens de Haçim Thaçi que se encarregam da distribuição, principalmente para a Europa e eventualmente para os Estados Unidos. Os lucros são utilizados para financiar as operações ilegais da CIA.

Karzai e Thaçi são amigos pessoais de longa data de Bernard Kouchner, que certamente ignora suas atividades criminosas apesar dos relatórios internacionais que lhes foram consagrados.

Para completar seu governo, Nicolas Sarkozy nomeia Christine Lagarde como ministra de Economia e Finanças. Ela fez toda a sua carreira nos Estados Unidos, onde dirigiu o prestigioso gabinete de juristas Baker & McKenzie. No seio do Center for International & Strategic Studies de Dick Cheney, ela co-presidiu com Zbigniew Brzezinski um grupo de trabalho que supervisionou as privatizações na Polônia. Ela organizou um lobby intenso por conta da Lockheed Martin contra o construtor de aviões francês Dassault.

Nova escapada durante o Verão. Nicolas, Cecília e a babá de seus filhos vão de férias aos Estados Unidos, em Wolfenboroo, perto da propriedade do presidente Bush. A conta, desta vez, é paga por Robert F. Agostinelli, um banqueiro de negócios de Nova Iorque, sionista e neo-conservador de pura cepa que expressa seus pontos de vista em Commentary, a revista do American Jewish Committee.

O sucesso de Nicolas beneficia o seu meio-irmão, Pierre-Olivier. Sob o nome americanizado de “Oliver”, é nomeado por Frank Carlucci (que foi o nº. 2 da CIA depois de ter sido recrutado por Frank Wisner Sr.), diretor de um novo fundo de investimento do Grupo Carlyle (a sociedade comum de gestão de carteiras de ações dos Bush e dos Bin Laden). Transformado no quinto negociante à nível mundial, ele administra atualmente as principais contas dos fundos soberanos do Kuwait e de Cingapura.

A taxa de popularidade do presidente Sarkozy está em queda livre nas pesquisas. Um dos seus conselheiros em comunicação, Jacques Séguéla (que também é assessor em comunicação política da NED para diferentes operações da CIA na Europa Oriental), aconselha desviar a atenção do público com novas “people stories”.

O anúncio do divórcio de Cecília foi publicado pelo Libération, o jornal do seu amigo Edouard de Rothschild, para cobrir os slogans dos manifestantes num dia de greve geral.

Pior ainda, o assessor organizou um encontro com a artista e ex-modelo Carla Bruni. Alguns dias mais tarde, sua ligação com o presidente é oficializada e a campanha de mídia encobre novamente as críticas políticas. Algumas semanas mais tarde se produz o terceiro casamento de Nicolas. Desta vez, ele escolhe como padrinhos Mathilde Agostinelli (a esposa de Robert) e Nicolas Bazire, antigo chefe de gabinete de Edouard Balladur, que se tornou sócio-gerente do Banco Rothschild.

Quando os franceses abrirão os olhos para ver o que têm que fazer?

* Analista político, fundador  da Réseau Voltaire. Último livro publicado, L´Effroyable imposture 2 (a remodelação do Oriente Próximo e a guerra israelense contra o Líbano).

Os desvãos da dupla moralidade midiática

 

EMERSON LEAL*

Os professores da PUC do Rio Grande do Sul - Pedrinho Guareschi e Osvaldo Biz - lembram, em seu livro Mídia & Democracia, que “A mídia no Brasil não é o quarto poder. É o primeiro, o que controla e subjuga os demais (...). A mídia, principalmente a eletrônica, constrói a realidade, impõe os valores, monta a pauta de discussão nacional e subjetiva as pessoas”.

O fato de a mídia impressa ser algo que se rege pelos princípios de uma empresa privada, não a isenta de responsabilidade social. Já a mídia eletrônica - rádio e televisão - é um serviço público. Ou seja, é uma concessão temporária, “não pode ter ‘donos’ e tem como tarefa essencial ser educativa, formar para a cidadania, sendo uma nova ágora, onde devem ser discutidos os grandes problemas nacionais”.

Contudo, o que se observa no Brasil é que tanto a mídia impressa como a eletrônica fogem, como o diabo da cruz, de toda e qualquer discussão que tenha como pauta definir os parâmetros de um controle social sobre elas. Mais que isso, demonizam quem tiver a petulância de chamá-las à responsabilidade. Neste contexto, como avançar no aprofundamento de conceitos como a democracia e a cidadania? Difícil!

Para se ter uma idéia do papel nefasto da mídia hegemônica no País, é só analisarmos este triste episódio que escancarou os bastidores do Congresso Nacional. Mas, para entendê-lo há que o fazer com critérios políticos - não moralistas, como insiste aquela mídia justamente para moldar a opinião pública, esconder a realidade e construir a (‘realidade’) que lhe interessa, como diriam os autores de Mídia & Democracia.

Pois bem, todos sabemos que o nosso Parlamento sempre funcionou assim. É só lembrar que, durante o governo FHC, seu grande aliado no Congresso Nacional não foi outro senão ACM - o popular Toninho Malvadeza. O corpo-rativismo - ontem como hoje - sempre funcionou, objetivando manter privilégios. Mas, quando ‘reinava’ o Príncipe da Sorbonne que, comprovadamente comprou a sua reeleição, rasgando a Constituição, a mídia não demonstrou tanto zelo assim na defesa da ética e da moralidade, como faz hoje.

Por quê? Simples! Por que a questão em tela é política, e a mídia defende seus interesses. E seu interesse, hoje, é desalojar o PT do poder, é destruir a candidatura Dilma Roussef e trazer de volta os tucanos para continuar com a tarefa ‘hercúlea’ de desmontar o Estado brasileiro para ficar mais fácil entregá-lo aos interesses externos. Que o diga a CPI da Petrobrás, de responsabilidade de tucanos e ‘democratas’: querem entregar o pré-sal para os EUA; e os factóides que, dia e noite, eles criam no Congresso Nacional com o único objetivo de desgastar o governo Lula. Mas a mídia jura que o que ela quer mesmo é ajudar a moralizar o Congresso Nacional.

O Estadão, por exemplo, que sempre foi o maior porta-voz das oligarquias no Brasil, ostenta manchetes que dizem que o arquivamento das denúncias contra Sarney custará caro ao Parlamento ‘que insiste em sustentar oligarquias em detrimento da opinião popular’. E esculhamba com o presidente Lula por ele se preocupar em “preservar o Sarney”. Ou seja, uma análise baseada puramente na lógica formal e em critérios moralistas justamente para construir a ‘realidade’que lhe interessa.

Se este jornalão quisesse realmente diagnosticar o problema, teria de mostrar para seus leitores como se trava a luta política dentro do Congresso Nacional; como funciona nossa democracia do poder econômico; quem e como é eleito um representante para o Parlamento; como se constrói a governabilidade (que é imposta por essa mesma democracia - frágil e incipiente).

Trocando em miúdos: a imprensa faz todo este escarcéu porque quer passar a presidência do Congresso para as mãos do tucano Marconi Perilo, que responde por inúmeros processos em Goiás por irregularidades em sua administração quando governador.

E a presidência do Congresso, passando para as mãos dos tucanos, o que vai acontecer mesmo, como num passo de mágica, é que a mídia vai parar de falar em moralização do Parlamento. É assim, a luta pelo poder. Que ninguém se iluda.
*Doutor em Física Atômica e Molecular e vice-prefeito de São Carlos. E-mail: depl@df.ufscar.br

Thursday, August 13, 2009

Operação Sarkozy: Como a CIA alçou um dos seus agentes à presidência da França (1)

 

Nicolas Sarkozy deve ser julgado pelas suas ações e não pela sua personalidade. Mas, quando as suas ações surpreendem até os seus próprios eleitores, é legítimo nos debruçarmos detalhadamente sobre a sua biografia e nos questionar sobre as alianças que o conduziram ao poder. Este artigo descreve as origens do presidente da República Francesa. Todas as informações nele contidas são verificáveis, com exceção de duas imputações, pelas quais o autor assume a responsabilidade exclusiva

THIERRY MEYSSAN*

Os franceses, cansados das demasiado longas presidências de François Mitterrand e de Jacques Chirac, elegeram Nicolas Sarkozy contando com a sua energia para revitalizar o país. Eles esperavam uma ruptura com anos de imobilismo e ideologias ultrapassadas. Tiveram uma ruptura com os princípios que fundaram a nação francesa. Ficaram estupefatos porque este “hiper presidente” era atingido por um novo dossiê a cada dia, atraia a direita e a esquerda em torno de si, abalou todas as referências até criar uma completa confusão.

Assim como as crianças que acabam de fazer uma grossa asneira, os franceses estão demasiado ocupados em procurar desculpas para admitir a amplitude dos danos e a sua ingenuidade. Recusam-se, portanto, a ver quem realmente é Nicolas Sarkozy, o que deveriam ter percebido há muito.

O homem é hábil. Como um ilusionista, ele desviou as atenções ao oferecer a sua vida privada como espetáculo e posar nas revistas populares, até fazer esquecer seu percurso político.

Que se compreenda bem o sentido deste artigo: não se trata de criticar o sr. Sarkozy pelas suas ligações familiares, de amizade e profissionais, mas de criticá-lo por ter escondido suas ligações aos franceses que acreditaram, erradamente, estar elegendo um homem livre.

Para poder entender como um homem em que todos vêem hoje um agente dos Estados Unidos e de Israel conseguiu tornar-se o chefe do partido gaullista, e depois presidente da República Francesa, é preciso olhar para o passado. Temos que abrir um amplo parêntese no decorrer do qual apresentaremos os protagonistas que hoje estão perpetrando sua vingança.

SEGREDOS DE FAMÍLIA

No fim da Segunda Guerra Mundial, os serviços de inteligência estadunidenses recorreram ao padrinho italo-americano Lucky Luciano para controlar a segurança dos portos americanos e para preparar o desembarque aliado na Sicília.

O responsável dos contatos de Luciano com os serviços dos EUA é Frank Wisner Sr. E depois, quando o “padrinho” é libertado e se exila na Itália, o encarregado de manter esses contatos é seu “embaixador” corso, Étienne Léandri.

Em 1958, os Estados Unidos, preocupados com uma possível vitória da FLN na Argélia, fato que abriria a África do Norte à influência soviética, decidem instigar um golpe de Estado militar na França. A operação é organizada em conjunto pela Direção de Planificação da CIA – teoricamente dirigida por Frank Wisner Sr. – e pela OTAN. Mas Wisner já havia afundado na demência, de modo que é o seu sucessor, Allan Dulles, que supervisiona o golpe. A partir de Argel, generais franceses criam um Comitê de Salvação Pública que exerce uma pressão sobre o poder civil parisiense e o obriga a votar plenos poderes ao general De Gaulle, sem ter necessidade de recorrer à força.

Ora, Charles De Gaulle não é o peão que os anglo-saxões acreditavam poder manipular. Num primeiro momento, ele tenta resolver a contradição colonial concedendo uma grande autonomia aos territórios do ultramar no seio da União Francesa. Mas, já é demasiado tarde para salvar o Império francês porque os povos não acreditam mais nas promessas da metrópole e exigem a sua independência. Depois de dirigir vitoriosamente ferozes campanhas de repressão contra os independentistas, De Gaulle rende-se à evidência. Fazendo prova de uma rara sabedoria política, ele decide conceder a cada colônia a sua independência.

Esta reviravolta foi considerada pela maior parte daqueles que o levaram ao poder como uma traição. A CIA e a OTAN apóiam então todo tipo de conspirações para eliminá-lo, inclusive um golpe de Estado que fracassa e umas quarenta tentativas de assassinato. Entretanto, alguns dos seus partidários aprovam a sua evolução política. Em torno de Charles Pasqua eles criam o SAC, uma milícia para protegê-lo.

Pasqua é ao mesmo tempo um gangster corso e um ex-combatente da Resistência Francesa contra o nazismo. Ele casou-se com a filha de um contrabandista de bebidas canadense que fez fortuna durante a época da Lei Seca. Pasqua dirige a sociedade Ricard que, depois de ter comercializado o absinto, uma bebida proibida, se faz de uma reputação respeitável vendendo anis. Entretanto, a sociedade continua servindo de cobertura para todos os tipos de tráficos relacionados com a família italo-nova-iorquina dos Genovese, a do próprio Lucky Luciano. Não resulta então surpreendente que Pasqua apele a Étienne Léandri (o “embaixador” de Luciano) para recrutar braços fortes e constituir a milícia gaullista. Um terceiro homem desempenha um grande papel na formação do SAC, o antigo guarda costas de De Gaulle, Achille Peretti – também ele um corso.

Sob essa proteção, De Gaulle traça com desenvoltura uma política de independência nacional. Sempre afirmando pertencer ao campo atlântico, ele questiona a liderança anglo-saxônica. Opõe-se à entrada do Reino Unido no Mercado Comum Europeu (1961 e 1967); recusa a mobilização dos capacetes azuis da ONU no Congo (1961); encoraja os Estados latino-americanos a libertarem-se do imperialismo americano (discurso do México, 1964); expulsa a OTAN da França e retira-se do Comando Integrado da Aliança Atlântica (1966); denuncia a Guerra do Vietnã (discurso de Phnon Pehn, 1966); condena o expansionismo israelense durante a Guerra dos Seis Dias (1967); apóia a independência de Quebec (discurso de Montreal, 1967); etc.

Simultaneamente, De Gaulle consolida o poderio da França dotando-a de um complexo militar-industrial incluindo a força de dissuasão nuclear, e garantindo seu aprovisionamento energético. Afasta os inconvenientes corsos do seu entorno confiando-lhes missões no estrangeiro. Assim, Étienne Léandri torna-se o representante comercial do grupo Elf (hoje Total), enquanto que Charles Pasqua torna-se o homem de confiança dos chefes de Estado da África francófona.

Consciente de que não pode desafiar os anglo-saxões em todos os terrenos ao mesmo tempo, De Gaulle alia-se à família Rothschild. Escolhe como primeiro-ministro o diretor do banco, Georges Pompidou. Os dois homens formam uma equipe eficaz. A audácia política do primeiro nunca perde de vista o realismo econômico do segundo.

Quando De Gaulle se demite, em 1969, Georges Pompidou ocupa brevemente a presidência antes de morrer vítima de um câncer. Os gaullistas históricos não admitem a sua liderança e inquietam-se com a sua tendência anglófila. O denunciam como traidor quando Pompidou, secundado pelo secretário-geral da presidência francesa, Edouard Balladur, permite entrar “a pérfida Albion” no Mercado Comum Europeu.

A FABRICAÇÃO DE NICOLAS SARKOZY

Apresentado este cenário, retornemos ao nosso personagem principal, Nicolas Sarkozy. Nascido em 1955, é filho de um nobre húngaro, Pal Sarkösy de Nagy-Bocsa, que chegou à França fugindo do Exército Vermelho, e de Andrée Mallah, uma judia originária de Tessalónica. Depois de terem três filhos (Guillaume, Nicolas e François), o casal divorcia-se. Pal Sarkösy de Nagy-Bocsa casa-se novamente com uma aristocrata, Christine de Ganay, com quem terá dois filhos (Pierre-Olivier e Caroline). Nicolas não será educado só pelos seus pais, mas será inserido nos vaivens dessa família “reconstruída”.

Sua mãe tornou-se a secretária de Achille Peretti. Depois de ter sido co-fundador do SAC, o guarda-costas de De Gaulle havia trilhado uma brilhante carreira política. Fora eleito deputado e prefeito de Neuilly-sur-Seine, o mais rico subúrbio residencial de Paris, e depois, presidente da Assembléia Nacional.

Porém, em 1972 Achille Peretti enfrenta graves acusações. Nos Estados Unidos, a revista Time revela a existência de uma organização criminosa secreta, a “União corsa”, que controla grande parte do tráfico de entorpecentes entre a Europa e a América. Trata-se da famosa “French connexion” que Hollywood levaria posteriormente às telas. Baseando-se em audiências do Congresso e nas suas próprias investigações, a Time cita o nome de um chefe mafioso, Jean Ventura, preso alguns anos antes no Canadá, e que não é outro senão o representante comercial de Charles Pasqua para a sociedade de bebidas alcoólicas Ricard. Evoca-se o nome de várias famílias que dirigiriam a “União Corsa”, inclusive os Peretti. Achille nega, mas deve renunciar à presidência da Assembléia Nacional e escapa inclusive a um “suicídio”.

Em 1977, Pal Sarközy separa-se da sua segunda esposa, Christine de Ganay, que estabelece então uma relação com o segundo homem mais importante da administração central do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Christine de Ganay se casa com ele e instala-se na América. Sendo o mundo tão pequeno, como é bem sabido, seu marido não resulta outro senão Frank Wisner Jr., filho do anterior Frank Wisner. As funções de Junior na CIA não são conhecidas, mas é claro que ele desempenha um papel importante. Nicolas, que permanece muito próximo da sua mãe adotiva, do seu meio irmão e da sua meia irmã, começa a voltar-se para os Estados Unidos onde se “beneficia” dos programas de formação do Departamento de Estado.

Nesse período, Nicolas Sarkozy adere ao partido gaullista. Ali se relaciona rapidamente com Charles Pasqua, que não é só um líder nacional como também o responsável da seção departamental de Hauts-de-Seine.

Em 1982, Nicolas Sarkozy, tendo concluído seus estudos de direito e sendo já membro do Colégio de Advogados, se casa com a sobrinha de Achille Peretti. Charles assiste à boda como padrinho do noivo. Enquanto advogado, Mestre Sarkozy defende os interesses dos amigos corsos dos seus mentores. Ele adquire uma propriedade em Córsega, em Vico, e analisa até dar um som corso a seu nome substituindo o “y” por um “i”: Sarkozi.

No ano seguinte é eleito prefeito de Neuilly-sur-Seine em substituição do seu tio adotivo, Achille Peretti, abatido por uma crise cardíaca.

Entretanto, Nicolas não tarda em trair sua mulher e, desde 1984, mantém uma ligação clandestina com Cecília, a esposa do mais célebre animador da televisão francesa da época, Jacques Martins, que conheceu ao celebrar seu casamento na qualidade de prefeito de Neully. Esta vida dupla dura cinco anos, até que os amantes deixem seus consortes respectivos para construir um novo lar.

Nicolas é testemunha de casamento, em 1992, da filha de Jacques Chirac, Claude, com um editorialista do jornal francês Le Figaro. Incapaz de se conter, seduz Claude e  mantém  uma breve relação com ela, enquanto vive oficialmente com Cecília. O marido enganado suicida-se com o uso de drogas. A ruptura é brutal e irreversível entre a família Chirac e Nicolas Sarkozy.

Em 1993, a esquerda perde as eleições legislativas. O presidente François Mitterand se nega a renunciar e começa a co-habitar com um primeiro-ministro de direita. Jacques Chirac, que ambiciona a presidência e planeja então formar com Edouard Balladur um dueto comparável àquele de De Gaulle e Pompidou, recusa-se a ser novamente primeiro-ministro e cede o lugar a seu “amigo de trinta anos”, Edouard Balladur. Apesar do seu passado turbulento, Charles Pasqua torna-se ministro do Interior. Conservando firmemente o controle da maconha marroquina, ele aproveita seu cargo para legalizar suas outras atividades tomando o controle dos cassinos, jogos e corridas na África francófona. Ele também estabelece ligações na Arábia Saudita e em Israel e torna-se oficial de honra (officier d’honneur) do Mossad. Nicolas Sarkozy, por sua vez, é ministro do Orçamento e porta-voz do governo.

Em Washington, Frank Wisner Jr. assumiu a sucessão de Paul Wolfowitz como responsável pelo planejamento político no Departamento de Defesa. Ninguém comentou as ligações que o uniam ao porta-voz do governo francês.

É então que retorna ao seio do partido gaullista a tensão que se experimentara trinta anos antes entre os gaullistas históricos e a direita financeira, encarnada por Balladur. A novidade é que Charles Pasqua, e com ele o jovem Nicolas Sarkozy, traem Jacques Chirac para se aproximarem da corrente Rothschild. Tudo degenera. O conflito atingirá seu apogeu em 1995 quando Édouard Balladur se apresenta como candidato à presidência contra o seu ex-amigo Jacques Chirac, e resulta derrotado. O mais importante é que, seguindo as instruções de Londres e Washington, o governo Balladur abre as negociações para a entrada à União Européia e à OTAN dos Estados da Europa Central e Oriental, já fora da tutela soviética.

Nada dá certo no partido gaullista, onde os amigos de ontem estão agora dispostos a matar-se uns aos outros. Para financiar a sua campanha eleitoral, Edouard Balladur tenta apoderar-se das reservas secretas do partido gaullista, escondidas na dupla contabilidade da petroleira Elf. Assim que morreu o velho Étienne Léandri, os juízes examinaram os registros da empresa e os seus dirigentes são encarcerados. Mas Balladur, Pasqua e Sarkozy nunca conseguiram recuperar o botim.

Continua na próxima edição.

* Analista político, fundador do Réseau Voltaire. Último livro publicado, L´Effroyable imposture 2 (a remodelação do Oriente Próximo e a guerra israelense contra o Líbano).

Tuesday, August 11, 2009

Sete punhais cravados no coração da América

Sete punhais cravados no coração da América -1

FIDEL CASTRO

Leio e releio dados e artigos elaborados por personalidades inteligentes, conhecidas ou pouco conhecidas, que escrevem em diversos meios e tomam a informação de fontes não questionadas por ninguém.

Os povos que habitam o planeta, em todos os lugares, correm riscos econômicos, ambientais e bélicos, derivados da política dos Estados Unidos, mas em nenhuma outra região da terra são ameaçados por tão graves problemas como seus vizinhos, os povos que moram neste continente ao Sul desse país hegemônico.

A presença de tão poderoso império, que em todos os continentes e oceanos dispõe de bases militares, porta-aviões e submarinos nucleares, navios de guerra modernos e aviões de combate sofisticados, portadores de todo tipo de armas, centenas de milhares de soldados, cujo governo reclama para eles impunidade absoluta, constitui a mais importante dor de cabeça de qualquer governo, seja de esquerda, centro ou direita, aliado ou não dos Estados Unidos.

O problema, para os que somos vizinhos dele, não é que ali se fale outro idioma e seja uma nação diferente. Há norte-americanos de todas as cores e todas as origens. São pessoas iguais a nós e capazes de qualquer sentimento num sentido ou outro. O dramático é o sistema que ali se desenvolveu e impôs a todos. Tal sistema não é novo quanto ao uso da força e os métodos de domínio que têm prevalecido ao longo da história. O novo é a época que vivemos. Abordar a questão destes pontos de vista tradicionais é um erro e não ajuda ninguém. Ler e conhecer o que pensam os defensores do sistema ilustra muito, porque significa estarmos conscientes da natureza de um sistema que se apóia no apelo constante ao egoísmo e aos instintos mais primários das pessoas.

Se não existisse a convicção do valor da consciência, e sua capacidade de prevalecer sobre os instintos, não se poderia expressar sequer a esperança de mudança em qualquer período da brevíssima história do homem. Tampouco poderia se compreender os terríveis obstáculos que se levantam para os diferentes líderes políticos nas nações latino-americanas ou ibero-americanas do hemisfério. Em última instância, os povos que viviam nesta área do planeta desde há dezenas de milhares de anos, até a famosa descoberta da América, não tinham nada de latinos, de ibéricos ou de europeus; seus traços eram mais parecidos aos asiáticos, donde procederam seus antepassados. Hoje os vemos nos rostos dos índios do México, América Central, Venezuela, Colômbia, Equador, Brasil, Peru, Bolívia, Paraguai e Chile, um país onde os araucanos escreveram páginas inesquecíveis. Em determinadas zonas do Canadá e no Alaska conservam suas raízes indígenas com toda a pureza possível. Mas no território principal dos Estados Unidos, grande parte dos antigos habitantes foi exterminada pelos conquistadores brancos.

Como todo mundo sabe, milhões de africanos foram arrancados de suas terras para trabalhar como escravos neste hemisfério. Em algumas nações como Haiti e grande parte das ilhas do Caribe, seus descendentes constituem a maioria da população. Em outros países formam amplos setores. Nos Estados Unidos os descendentes de africanos constituem dezenas de milhões de cidadãos que, como norma, são os mais pobres e discriminados.

Ao longo de séculos essa nação reclamou direitos privilegiados sobre nosso continente. Nos anos de Martí tentou impor uma moeda única baseada no ouro, um metal cujo valor tem sido o mais constante ao longo da história. O comércio internacional, em geral, se baseava nele. Hoje nem sequer isso. Desde os anos de Nixon, o comércio mundial se fez com o bilhete de papel impresso pelos Estados Unidos: o dólar, uma divisa que hoje vale cerca de 27 vezes menos que no início da década de 70, é uma das tantas formas de dominar e calotear o resto do mundo. Hoje, porém, outras divisas estão substituindo o dólar no comércio internacional e nas reservas de moedas conversíveis.

Se por um lado as divisas do império se desvalorizam, por outro suas reservas de forças militares crescem. A ciência e a tecnologia mais moderna, monopolizadas pela superpotência, têm sido derivadas em grau considerável para o desenvolvimento das armas. Atualmente não se fala só de milhares de projéteis nucleares, ou do poder destrutivo moderno das armas convencionais; se fala de aviões sem pilotos, tripulados por autômatos. Não se trata de simples fantasia. Já estão sendo usadas algumas naves aéreas desse tipo no Afeganistão e outros pontos. Informes recentes assinalam que num futuro relativamente próximo, em 2020, muito antes que a calota da Antártida se derreta, o império, entre seus  2.500 aviões de guerra, projeta dispor de 1.100 aviões de combate F-35 e F-22, em suas versões de caça e bombardeiros da quinta geração. Para se ter uma idéia desse potencial, baste dizer que os que dispõem na base de Soto Cano, em Honduras, para o treinamento de pilotos desse país, são F-5; os que forneceram às forças aéreas da Venezuela antes de Chávez, ao Chile e outros países, eram pequenas esquadrilhas de F-16.

Mais importante ainda, o império projeta que no transcurso de 30 anos todos os aviões de combate dos Estados Unidos, desde os caças até os bombardeiros pesados e os aviões cisterna, serão tripulados por robôs.

Esse poderio militar não é uma necessidade do mundo, é uma necessidade do sistema econômico que o império impõe ao mundo.

Qualquer um pode compreender que se os autômatos podem substituir os pilotos de combate, também podem substituir os operários em muitas fábricas. Os acordos de livre comércio que o império trata de impor aos países deste hemisfério implicam em que seus trabalhadores terão que concorrer com a tecnologia avançada e os robôs da indústria ianque.

Os robôs não fazem greves, são obedientes e disciplinados. Vimos pela televisão máquinas que recolhem as maçãs e outras frutas. A pergunta cabe ser feita também aos trabalhadores norte-americanos. Onde estarão os postos de trabalho? Qual é o futuro que o capitalismo sem fronteiras, em sua fase avançada do desenvolvimento, atribui aos cidadãos?

Havana, 5/8/2009

 

 

Sete punhais cravados no coração da América - 2

FIDEL CASTRO

À luz desta e de outras realidades, os líderes dos países da Unasul, Mercosul, Grupo do Rio e outros, não podem deixar de analisar a  justíssima pergunta venezuelana: Que sentido têm as bases militares e navais que os Estados Unidos querem estabelecer em torno de Venezuela e no coração da América do Sul?

Lembro-me que, há vários anos, quando entre a Colômbia e a Venezuela - duas nações irmanadas pela geografia e pela história -, as relações se tornaram perigosamente tensas, Cuba promoveu silenciosamente grandes passos para a paz entre os dois países. Nunca os cubanos estimularam a guerra entre países irmãos.

A experiência histórica, o destino proclamado e executado pelos Estados Unidos e a fragilidade das acusações contra a Venezuela sobre um fornecimento de armas para as Farc, juntamente com as negociações com o objetivo de conceder sete pontos do território colombiano para a utilização naval e aérea das Forças Armadas dos Estados Unidos, obrigam, inevitavelmente, a Venezuela a investir em armas, recursos que poderiam ser empregados na economia, nos programas sociais e na cooperação com outros países da região com menos desenvolvimento e recursos.

A Venezuela não se arma contra o povo irmão da Colômbia, se arma contra o império, que tentou destruir a Revolução e agora pretende instalar nas proximidades da fronteira venezuelana suas sofisticadas armas.

Seria um erro grave pensar que a ameaça é só contra a Venezuela; é dirigida a todos os países do sul do continente. Nenhum poderá escapar do tema e assim declararam vários deles.

As gerações presentes e futuras vão julgar os seus líderes pela conduta adotada neste momento. Não se trata só dos Estados Unidos, mas dos Estados Unidos e do sistema. O que oferece? O que busca?

RUÍNA ANTECIPADA

Oferece a Alca, quer dizer, a ruína antecipada de todos os nossos países, livre trânsito de bens e de capital, porém não livre trânsito de pessoas. Experimentam agora o temor de que a sociedade opulenta, consumista, seja inundada por latinos pobres, índios, negros e mulatos, ou brancos sem emprego em seus próprios países.

Devolvem todos os que cometem faltas. Os matam muitas vezes antes de entrar, ou os devolvem como rebanhos quando necessitam; 12 milhões de imigrantes latinoamericanos ou caribenhos são ilegais nos Estados Unidos. Uma nova economia surgiu em nossoa países, especialmente nos menosres e mais pobres: a das remessas.

Quando há crise, esta golpeia sobretudo aos imigrantes e a seus familiares. Pais e filhos são cruelmente separados, às vezes para sempre. Se o imigrante está em idade militar, lhe outorgam a possibilidade de se alistar para combater a milhares de quilômetros de distância, “em nome da liberdade e da democracia’’.

No regresso, se não morrem, lhes é concedido o direito de serem cidadãos dos Estados Unidos. Como estão bem treinados, lhes oferecem a possibilidade de serem contratados não como soldados oficiais, porém como civis das empresas privadas que prestam serviço nas guerras imperiais de conquista.

Existem outros gravíssimos perigos. Constantemente chegam notícias dos imigrantes mexicanos e de outros países de nossa região que morrem tentando cruzar a fronteira. A cota de vítimas supera a cada ano a totalidade dos que perderam a vida nos quase 28 anos de existência do famoso muro de Berlim.

O mais incrível, todavia, é que circula pelo mundo a notícia de uma guerra que custa neste momento milhares de vidas por ano. Morreram já, em 2009, mais mexicanos que soldados norte-americanos na guerra de Bush contra o Iraque ao longo de toda a sua administração.

A guerra no México foi desencadeada por causa do maior mercado de drogas que existe no mundo: os Estados Unidos. Mas, no seu território não existe uma guerra entre a polícia e as Forças Armadas dos Estados Unidos lutando contra os traficantes de droga. A guerra tem sido exportada para o México e a América Central, mas especialmente ao país asteca, mais próximo do território dos Estados Unidos.

As imagens que são divulgados pela televisão, pilhas de cadáveres, e as notícias que chegam de pessoas mortas nas próprias salas de curugia, onde tentatam salvar-lhes as vidas são horríveis. Nenhuma destas imagens provêm do território norte-americano.

Esta onda de violência e sangue estende-se em maior ou menor grau pelos países da América do Sul. De onde vem o dinheiro (das drogas) senão do infinito manancial que emerge de mercado norte-americano? Por sua vez, o consumo tende também a se espalhar para outros países na região, causando mais vítimas e mais danos diretos ou indiretos que a Aids, a malária e outras doenças juntas.

PLANOS IMPERIAIS

Os planos imperiais de dominação são precedidos por somas destinadas às tarefas de mentir e desinformar a opinião pública. Contam, para isso, com a total cumplicidade da oligarquia, a burguesia, a direita intelectual e os meios de comunicação de massa. 

São especialistas em divulgar os erros e as contradições dos políticos.

O destino da humanidade não deve ser deixado nas mãos de robôs convertidos em pessoas ou de pessoas convertidas em robôs.

Em 2010, o governo dos EUA usará US$ 2,2 bilhões através do Departamento de Estado e da USAID para promover a sua política, 12% a mais que os empregados pelo governo Bush no último ano de seu mandato. Destes, cerca de 450 milhões se destinarão a demonstrar que a tirania imposta ao mundo significa democracia e respeito pelos direitos humanos.

Apelam constantemente ao instinto e ao egoísmo dos seres humanos; desprezam o valor da educação e da consciência. É evidente a resistência demonstrada pelo povo cubano ao longo de 50 anos. Resistir é a arma à qual não podem renunciar jamais os povos; os portorriquenhos conseguiram parar as manobras militares em Vieques, situando-se no polígono de tiro.

A pátria de Bolívar é hoje o país que mais lhes preocupa, por seu papel histórico na luta pela independência dos povos da América. Os cubanos que prestam ali seus serviços como especialistas da saúde, educadores, professores de educação física e esporte, informática, técnicos agrícolas, e outras áreas, devem dar tudo no cumprimento de seus deveres internacionalistas, para mostrar que as pessoas podem resistir e ser portadoras dos princípios mais sagrados da sociedade humana.

Caso contrário, o império irá destruir a civilização e a própria espécie.
Havana, 5 de agosto de 200

Mídia dos EUA abafa prisão ilegal de Cynthia McKinney em Israel

 

MUMIA ABU-JAMAL*

Cynthia McKinney, a ex-congressista pela Califórnia, conhecida por não ter papas na língua e candidata a presidente pelo Partido Verde, saiu recentemente da cadeia.
Sim. É verdade. Saiu da cadeia.

É provável que você não tenha a menor ideia de porque a congressista McKinney esteve presa.

É verdade. Ela foi presa por quase uma semana em Israel.

Seu crime? A congressista acompanhou um grupo do Movimento pela Liberdade de Gaza que levava remédios, oliveiras, cimento e brinquedos para os desesperados palestinos cujo território de Gaza foi ocupado por Israel.

McKinney e outros 21 membros do grupo foram impedidos de desembarcar no litoral de Gaza; foram presos pela Marinha israelense, no que ela chamou de “uma monstruosa violação da lei internacional”.

McKinney fazia parte de uma missão humanitária internacional para ajudar um povo oprimido – não com armas – mas sim com brinquedos e remédios – e foram atirados ao cárcere.

Surpreendi-me muito quando soube em uma recente ligação telefônica o que havia acontecido à congressista em Israel; porque não havia escutado ou lido absolutamente nada sobre isso.

Um aliado favorito dos EUA, que recebe mais ajuda militar norte-americana do que nenhuma outra nação da Terra, simples e rasteiramente, sem nenhum consideração, atira em uma cela de cadeia uma mulher que foi congressista, candidata à presidência e líder do movimento negro pelos direitos civis... e poucas fontes dos meios de comunicação dos EUA consideram a notícia digna de ser divulgada.

Foram tão imprescindíveis as reportagens diárias, de capa a capa, sobre Michael Jackson?

Segundo uma reportagem publicada depois que apareceu pela primeira vez em sua página MySpace, McKinney escreveu o seguinte, logo após ser posta em liberdade:
“Nós estávamos em águas internacionais em um barco que levava ajuda humanitária ao povo de Gaza quando barcos da Marinha israelense nos rodearam e ilegalmente nos ameaçaram, desmantelaram nosso equipamento de navegação, subiram à bordo e confiscaram nosso barco... Todos fomos retirados e nos prenderam; nos levaram a Israel e nos colocaram na cadeia”. (Fonte: Tribuna da Filadélfia, 7/7/09)

Incrível! Cynthia McKinney na cadeia – em Israel – por levar medicamentos aos doentes, brinquedos para crianças e por levar auxilio e solidariedade aos oprimidos cuja terra foi ocupada!

(Ah! O nome do barco? Se chamava “Espírito de Humanidade”)
E isso não é notícia?


*Mumia Abu-Jamal, jornalista e militante antirracista, é preso político nos EUA há 28 anos. Teve a pena de morte anulada em 27 de março do ano passado e continua a luta de três década por um julgamento legítimo.


Título original do artigo: “Nada para Gaza: A Viagem de Cynthia McKinney a Israel”

A mídia e seus chacais de guarda

 

Foi se criando uma verdadeira casta de jornalistas, empregados dos maiores meios de imprensa no Brasil, promíscuos com o poder, que renunciam a qualquer ataque aos interesses do poder que dominou o país durante séculos: capital financeiro, grandes monopólios, latifundiários, as próprias grandes empresas monopólicas da mídia, o imperialismo norte-americano, o FMI, o Banco Mundial, a direita política – Tucanos, DEM, FHC, Serra

EMIR SADER *

O que seria dos interesses das elites dominantes, se não contassem com escribas, pagos pelas empresas de mídia privada, para tentar fazer passar esses interesses como se fossem os interesses do país? Para isso eles contam com equipes de “cães de guarda”, que defendem, com unhas e dentes, os interesses das elites dominantes, especialmente concentrados na mídia.

Tentam, por exemplo, identificar a liberdade com a liberdade do capital, condenando qualquer forma de limitação à sua livre circulação. Tentar identificar liberdade com a existência da grande propriedade privada, opondo-se a qualquer definição de critérios sociais para a propriedade, especialmente a monopólica e a propriedade não produtiva no campo, opondo-se a qualquer tipo de ação de socialização da propriedade. Porque essas próprias empresas são monopolistas.

O filósofo francês Paul Nizan escreveu um livro, em 1932, a que deu o nome de “Cães de guarda” para se referir aos intelectuais que prestam serviço de promover legitimidade e dar razões de sobrevivência ao poder das elites dominantes. “Eles adorariam ser Zola, mas para acusar as vítimas...”, escreve Serge Halimi, no prefácio da edição mais recente do livro, mencionando como esses guardiães da ordem estabelecida adoram estar de acordo com seus patrões, acusando os pobres, os marginalizados, as vítimas do sistema, como se fossem verdugos. “Quanto à sua obra, ela se autodestrói um quarto de segundo depois do tiro de morteiro midiático...”, acrescenta Halimi.

Na introdução do livro de Halimi, “Os novos cães de guarda” – publicado no Brasil pela Jorge Zahar -, Pierre Bourdieu recorda como trabalhos de denúncia desse tipo contribuem a “arruinar um dos suportes invisíveis da prática jornalística, a amnésia...” E se pergunta: “por que, de fato, os jornalistas não deveriam responder por suas palavras, dado que eles exercem um tal poder sobre o mundo social e sobre o próprio mundo do poder?”.

Mas, entrando já diretamente nos chacais de guarda daqui – para não ofender aos cães -, se tiverem paciência, olhem alguns dos livros que decretaram o fim do governo Lula em 2005. Uma jornalista que insiste em fazer comentários sem voltar sobre o que disse ontem, sustentava seu livro oportunista para ganhar dinheiro e agradar seus patrões com a crise de 2005, apoiada por outro colunista que come nas mesmas mãos, que reiterava essa morte do governo na contracapa do livro. Como não têm compromisso algum com o que escrevem, que só se justifica pelos serviços prestados a seus empregadores, fontes e outros representantes das elites dominantes, seguem em frente como se não tivessem dito nada ontem, como seguirão amanhã fingindo que não disseram nada hoje. Não são mais do que ventríloquos dessas elites.

Indo mais longe: a imprensa que convocou os militares a dar golpe militar, apoiou a derrubada do governo legalmente constituído de Jango e sustentou o golpe militar, inclusive reproduzindo as versões mentirosas que escondiam os sequestros, as torturas e os fuzilamentos dos opositores, segue de acordo com as posições que tiveram. Um dos jornais, que emprestou seus carros para que os órgãos repressivos da ditadura atuassem disfarçados de jornalistas, nem sequer tentou se defender das gravíssimas acusações, que fazem com que a empresa, os jornais que publicam e os membros dos comitês editoriais, tenham as mãos sujas de sangue pelos sequestros, torturas e execuções da ditadura. Ao não fazerem autocrítica, automaticamente aceitam ter cometido esses crimes de lesa democracia e jornalismo minimamente objetivo.

Essa mesma mídia vive acusando o povo de “não ter memória”. Talvez seja essa a razão pela qual elege e reelege os lideres políticos execrados diariamente pela mídia, porque hoje não obedece a seus desígnios.

Mas são eles os primeiros a cultuarem a falta de memória, a amnésia de todos, ao esquecer o que disseram ontem. Estiveram a favor da ditadura, com que moral acusam governos e partidos de não ser democráticos?

O que dizem os empregados de uma empresa que praticamente nasceu durante a ditadura, foi o órgão oficial da ditadura? Que legitimidade acreditam que podem ter órgãos dessa empresa?

Um dos colunistas de um dos jornais da imprensa de propriedade de uma das poucas famílias que dominam de forma monopolista o ramo, se orgulha de nunca ter ido aos Fóruns Sociais Mundiais, por ter ido a todos os Fóruns de Davos – onde manifestamente ele se sente no seu mundo. Seria bom ele ouvir agora os arautos da globalização – incluído seu prócer FHC – para saber o que pensam da crise atual, provocada por suas políticas. Teria que se deslocar não a Davos, mas a algumas prisões, onde alguns deles foram encarcerados, depois de reveladas suas trapaças – aliás, nenhuma delas revelada pela imprensa, conivente e complacente com os ricaços de Davos.

Um outro jornalista disse, em outro momento da sua carreira, em conferência pública, que quando um jornalista senta para escrever uma matéria, pensa, em primeiro lugar, no dono da empresa; em segundo, nas fontes do que vai publicar; em terceiro na enorme quantidade de desempregados do lado de fora da empresa. A esse filtro haveria que acrescentar as agências de publicidade e os grandes grupos econômicos que financiam os órgãos de imprensa e acabam pagando os seus salários.

Foi se criando uma verdadeira casta de jornalistas, empregados dos maiores meios de imprensa no Brasil, promíscuos com o poder, que renunciam a qualquer ataque aos interesses do poder que dominou o país durante séculos: capital financeiro, grandes monopólios, latifundiários, as próprias grandes empresas monopólicas da mídia, o imperialismo norte-americano, o FMI, o Banco Mundial, a OMC, a direita política – Tucanos, DEM, FHC, Serra, Tasso Jereissatti, Jarbas Vasconcellos.

Preferem, para conveniência de seus empregos e dos interesses dos seus patrões, atacar o que incomoda à direita – sindicatos, o MST, o pensamento crítico, as universidades públicas, os partidos de esquerda.

Além dos casos mencionados, há os pobres diabos que querem adquirir certo verniz “intelectual” – não aguentam a inveja do pensamento crítico – e citam autores, viajam pelo mundo em eventos sem nenhuma importância, escrevem em jornais e falam em rádios e TVs, sem nenhum prestígio, colunas que ninguém leva a sério ou mesmo lê. Um deles foi chefe de gabinete de um dos ditadores, depois foi demitido, fotografado na cama para a Playboy, tentando mostrar méritos que não conseguiu na política, e que circulava nos governos anteriores com toda promiscuidade pelos ministérios e Palácio do Planalto – de que esse tipo de gente sentem uma falta danada.

A ideologia do “’quarto poder” se tornou antiquada, porque o monopólio da mídia privada detém muito mais poder do que isso, termina dando direção ideológica e política aos fracos partidos opositores. Claro que o que realmente não são é “contra-poder”, porque na verdade fazem parte intrínseca dos poderes constituídos, como força conservadora.

Como a notícia se transformou definitivamente em uma mercadoria na mão dessa casta, perdeu toda credibilidade. Conhece-se o caso de colunistas econômicos que fingem estar preocupados com a situação de um setor do empresariado, ao vendem reunião e assessoria com eles, em troca de defender mais explicitamente seus interesses. Se devem às suas fontes, a tal ponto que a editoria econômica passou a ser a mais comprometida com os interesses criados, de forma similar a como certa cobertura policial se deve às fontes nas delegacias e nas polícias, sem as quais ficam sem seus “furos”.

“Quem paga, comanda”, recorda Halimi. E a mídia, como sabemos, é financiada não pelos leitores com as compras na banca e as assinaturas, mas pelas agencias de publicidade. E vejam quem são os grandes anunciantes, com os quais a mídia tem o rabo preso – bancos, telefonias, fábricas de automóveis, etc. Não pelas organizações populares, sindicatos, centros culturais, nada disso. Quem paga, comanda. Já viram jornais, rádios, televisões, colunistas, fazendo campanha de denúncia – com um pouquinho da sanha que têm contra o governo e a esquerda – contra os bancos, suas falcatruas, contra as grandes corporações multinacionais, contra a lavagem de dinheiro nos paraísos fiscais? Não, porque seria tiro no pé, atentado contra os que financiam a essa mídia.

Perguntado sobre como a elite controla a mídia, Chomsky respondeu: “Como ela controla a General Motors? A questão nem se coloca. A elite não tem que controlar a General Motors. Ela lhe pertence”. Albert Camus disse que a mídia francesa se tornou “a vergonha do país.” E a nossa? O Brasil e seu povo têm orgulho ou vergonha dessa mídia que anda por aí?

A lei apresentada pelo governo argentino para regulamentar o audiovisual – umas das razões da brutal ofensiva da imprensa de lá contra seu governo – determina que as empresas da mídia têm que declarar publicamente suas fontes de financiamento – quem as financia, com que quantidades de dinheiro. Poderiam aproveitar e declarar publicamente quanto ganham os magnatas dessa casta midiática, enquanto a massa dos jornalistas ganha uma miséria, é terceirizada e passível a qualquer momento de ser mandada embora, se não cumpre à risca as orientações que os chacais lhes impõem. Um jornalista norte-americano citado por Halimi, disse: “Sobre as questões econômicas (impostos, ajuda social, política comercial, luta contra o déficit, atitude em relação aos sindicatos), a opinião dos jornalistas de renome tornou-se muito mais conservadora à medida que suas rendas foram aumentando”.

Quem discorda dos consensos que tentam impor nos seus desagradabilíssimos e redundantes programas de entrevistas ou suas colunas de merchandising, como se sabe, é chamado de “populista”, de “demagogo”, de “aventureiro”. Que são, como também se sabe, os governantes que fazem políticas sociais e têm alto nível de apoio da população. Por isso chamam sempre os mesmos, seus amigos, operadores das bolsas de valores, empresários que passam a lhes dever favores, para dizer as mesmas baboseiras que a realidade não se cansa de desmentir.

“Mídias cada vez mais concentradas, jornalistas cada vez mais dóceis, uma informação cada vez mais medíocre” – conclui Halimi. E cita um político de direita francês, Claude Allègre, sobre as possibilidades do meio midiático se reformar: “Eu vou lhes dar uma resposta estritamente marxista, eu que jamais fui marxista: porque não há interesse... Por que vocês queriam que os beneficiários dessa situação sintam necessidade de mudá-la?”. E, para concluir, conforme se aproxima a Conferência Nacional de Comunicação, declaração do também conservador jornalista francês Jacques Julliard:  “Uma das reformas mais urgentes neste país, seria aquela que pudesse dar às mídias um mínimo de seriedade e de dignidade. Sobretudo de dignidade!”.

* Mestre em filosofia política, escritor e professor de sociologia da UERJ. O artigo foi publicado originalmente no Blog do Emir, com o título “Os chacais de guarda”.